
Foto: Rafael Mariante.
O REINO DA SURPRESA
Luiz Alberto Machado
O beijo, primeiro degrau.
Antes disso, à porta do cinema apareceu a menina azul e o filme que ela não viu. Um sábado cheio de pernas: primeiro encontro, conversa de almoço. Isso e aquilo. As palavras escapulindo, o mundo girando. Ela era só o olhar e um silêncio. Eu, um tagarela, depondo tudo, debulhando segredos. Ela permeável. O que eu disse? Sei lá, fiquei nu.
Dali uma semana, era o primeiro beijo e o dia se iluminou. Era o reino da surpresa. E vingava a emoção. Nunca havia saboreado prazer tão imenso, intenso, inteiro, carregado. Tudo inteiramente maior na franzinice dela. Surpresa aos montes: o beijo, o toque, a pele, a entrega total. Tudo integralmente entregue, inteiramente possuído. Nunca houvera. Foi tudo como a minha fome de séculos se apossasse dos seus pés miúdos, engolisse suas pernas, mastigasse suas coxas, deglutisse seu ventre de carne saborosa e me empazinasse com seus seios de caldo mágico e dorso de cordilheiras deliciosas e ruminasse seu corpo de precipícios milenares e me apoderasse de sua alma nua de serva submissa que se deixava escrava completa ao meu bel prazer. E usei antropofagicamente do expediente de tê-la, retê-la, recolhê-la, recomê-la sucessivas vezes até ginofagicamente assentá-la, liquidá-la, enfincá-la e entronizá-la lânguida posse exaurida nos desejos do meu coração atordoado.
© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
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