sexta-feira, agosto 28, 2009

A MENINA AZUL



Imagem: foto de Derinha Rocha

A PONTE

Luiz Alberto Macahdo

Entre o meu coração e a imensidão cosmogônica, ela se estira nua pro meu deleite na liberdade verdadeira – a sensação etérea em mim e ao meu redor.

Não fosse ela a ponte entre o amor e eu, cego eu erraria por anos e farsas.

Não fosse ela a ponte entre o factível e o inatingível, eu não saberia do nirvana, nem dos registros acásicos, nem da verdadeira arte de viver.

Não fosse ela a ponte entre a minha heterodoxia e meus paradoxos, eu não descobriria jamais a vida em sua plenitude.

A ponte, ela: entre o universo e minha existência.

Eis que ela nua e linda, ora estatelada com quem adormece à espera da minha entrega, ora de bruços como que indefesa dos meus ataques e desvarios, mais maravilhosa que sempre, mais minha que nunca, a me oferecer sua carne e começo por tomar posse dos seus pés – ah, podólogo atrevido seria eu a sacralizar toda sua emanação -, e eu como um fiel fanático, ajoelho-me e acaricio toda extensão do seu solado, calcanhar, pernas, joelhos, coxas, até folgar-me no encontro do ventre e lá provar com toda gulodice de toda sua proveitosa delícia – o manjar da vida, o elixir da alma.

No meio caminho da vida real, ouso atravessar essa ponte que quero morar embaixo, viver passeando por cima, vencê-la sempre, superá-la a todo instante, sabê-la minha e só minha em todo e mais completo momento.

A ponte que me ensina além de mim e de tudo e não me canso de usurpá-la lambendo seu umbigo, sugando seus seios, acariciando o pescoço, beijando apaixonadamente seus lábios e flagrando seus olhos incendiados de prazer a me queimar na combustão dos desejos.

E esse contato anímico com sua carne, lábios e sexo, apossado da volúpia de todos os desejos, mergulho no céu da sua boca e entre as estrelas do prazer, me faço inteiro a cobrir seu ser - a ponte que me faz macho e homem realizado.

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D. H. LAWRENCE



Imagem: Ruth, 1835, do pinto do Romantismo italiano Francesco Hayez (1791-1882)

DOIS POEMAS ERÓTICOS DE D. H. LAWRENCE

INDECÊNCIA PODE SER SAUDÁVEL

A indecência pode ser normal,
saudável;
na verdade, um pouco de indecência
é necessário em toda vida
para a manter normal, saudável.
.
E um pouco de putaria pode ser
normal, saudável.
Na verdade, um pouco de putaria é
necessário em toda vida
para a manter normal, saudável.
Mesmo a sodomia pode ser
normal,saudável,
desde que haja troca de sentimento
verdadeiro.
.
Mas se alguma delas for para o
cérebro, aí se torna perniciosa;
a indecência no cérebro se torna
obscena, viciosa,
a putaria no cérebro se torna
sifilítica
a a sodomia no cérebro se torna
uma missão,
tudo, vício, missão, insanamente
mórbido.
.
Do mesmo modo, a castidade na
hora própria é normal e bonita.
Mas a castidade no cérebro é vício,
perversão.
E a rígida supressão de toda e
qualquer indecência, putaria e
relações assim
leva direto a furiosa insanidade.
E a quinta geração de puritanos, se
não for obscenamente depravada,
é idiota. Por isso, você tem de
escolher.

TOQUE
Desde que nos tornamos tão cerebrais
não suportamos tocar ou sermos tocados.
Desde que somos tão cerebrais
estamos humanamente fora de contato.
E assim temos que continuar.
Pois se, intelectualmente, nos forçarmos ao toque,
ao contato
físico e carnal,
nós nos violamos,
ficamos depravados.

D. H. LAWRENCE – O escritor e poeta ingles David Herbet Lawrence (1885-1930), é autor de uma obra aborda temas considerados controversos no início do século XX, como a sexualidade e as relações humanas por vezes com características destrutivas e estende-se a praticamente todos os géneros literários, tendo publicado novelas, contos, poemas, peças de teatro, livros de viagens, traduções, livros sobre arte, crítica literária e cartas pessoais. O seu livro "O Amante de Lady Chatterley" foi proibido na época e passou a circular clandestinamente. "O Arco Íris" foi considerado obsceno. E "Mulheres Apaixonadas" foi recusado pelos editores de Londres, só foi publicado cinco anos depois em Nova Iorque.

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sexta-feira, agosto 21, 2009

VERS&PROSA PARA A MENINHA AZUL



Imagem: foto de Derinha Rocha.

POMAR

Luiz Alberto Machado

Seu corpo é o pomar de todas as delícias.

É onde me esbaldo de não mais querer sair, desistindo do mundo e de tudo.

Cubro todo seu terreiro, feito menino matreiro fugindo pelo quintal.

Demais de legal, me atrepo por todos os galhos do seu desejo, busco seu talho, seu beijo, feito peralta carente.

É no seu corpo que me faço que nem gente: vivo, sonho e realizo.

E sem aviso aperto seu jeito como se espremesse carinhosamente a fruta no pé.

Ah, que bom que é, chega sinto o sumo descer embaixo, eita, acendeu o facho, como é bom demais!

Muito demais.

Ah, é um bom caju, melhor embu.

Dulcíssima graviola, suco de carambola, acerola na mão.

Do seu bago sou chupão.

E na sua pele de cajá, sabor de maracujá.

Ah, me dá seu ingá que eu lhe dou meu araçá!

Quero comer a sua goiaba e toda mangaba.

Chupar sua manga, ah, lamber seus peitinhos com sabor de pitanga, nada melhor, seja o que o for.

Prazer de abacaxi, feito um sapoti!

E faz a banana ser sua cana-caiana, ave, deus, avali.

Água na boca, uma vida muito louca, foi tudo que eu pedi.


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quarta-feira, agosto 19, 2009

RADIGUET



Imagem: By the Shore , c.1835, do pintor do Classicismo Academico francês, Emile Levy (1826-1890)

UM POEMA ERÓTICO DE RAYMOND RADIGUET (1903-1923)

SAZÃO

Do bilboquê sou o bastão
Sobre o qual despenca o teu corpo;.
Não é de estranhar que tal jogo
Possa causar-te sensação.

Para de modo conveniente
Satisfazer os teus desejos
- Amor sempre o s quer em aperto –
Dá-me, pequena, o equivalente.

Que meu bastão nele acelere
Os movimentos de ida e volta
Com que teu rabo se conforta
Mas não tua concha de amor.

O sangue inda põe um rubor
Na entrecoxa onde me preferes.

RAYMOND RADIGUET – o poeta e ficcionista francês, Raymond Radiguet (1903-1923), se dedicou à literatura e ao jornalismo logo aos 15 anos e publicou seu primeiro e famoso livro, O diabo no corpo, a história de uma mulher casada que tinha seu marido na frente de guerra, mantendo um romance com um rapaz jovem de dezesseis anos. Este romance valeu a criação de um mito em torno de Radiguet pela sua precocidade genial, com uma obra que gerou um escândalo na França de então, durante a Primeira Guerra Mundial, quando a personagem Marta, que estava com o marido que estava em combate, tornou-se amante de um jovem. Foi publicado dele ainda, o póstumo O baile do Conde de Orgel, também tratando de adultério.

FONTE:
PAES, José Paulo. Poesia erotica em tradução. São Paulo; Companhia das Letras, 2006.
RADIGUET, Raymond. Com o diabo no corpo e O baile do conde d´Orgel. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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segunda-feira, agosto 17, 2009

ELIANE F C LIMA



Imagem: Linhas de uma alma invadida, foto de Daniel Pedrogam.

QUATRO POEMAS SENSUAIS DE ELIANE FERREIRA DE CERQUEIRA LIMA

FA-LO-EI, O HOMEM

Falo hei,
Para apontar as profundezas da feminilidade,
Aberta e sugativa!
Falo há,
Só como espada,
Para derrubar as muralhas do preconceito
Onde se erguem mulheres.
Falo sim, falo alto,
Porque vaginas são como bocas mágicas:
Comem falsos deuses e devolvem homens.

GRANDEZA

Sou só a cor do céu
e das montanhas,
azuladas entranhas
na ilusão do olhar.
Sou só o verde da vegetação,
cor de mãe primitiva, calma viva
e repouso e proteção.
Sou só a água que envolve,
que amamenta,
que absolve.
Sou só esse chão arenoso,
chão de praia,
que desmaia,
sob seu corpo,
mulher.

SEM ROTEIRO

Descendo por suas costas
minha mão desliza,
cobra vertiginosa.
Sub-reptícia, a sibilina se insinua.
Vício e volúpia, volta e virada.
Procura cantos e desvios,
vagos e vagas, montanhas;
Minha mão na sua nuca,
adivinha o arrepio,
sente do peito o cio.
Tatuagem deslizante,
mordidas ofídicas nas pontas dos picos.
A serpente de meu braço,
descendo sobre seu ventre,
se enrosca no entre
de suas coxas.
Abraço que só se abrasa
em úmidas, paragens toscas,
por dentro de grutas e roscas,
timidamente, se esconde,
gulosa, no centro do onde

O BARCO

Naquela ilha, batem marés de felicidade.
Naquela ilha, nas pedras, rolam as espumas da calma.
Naquela ilha, as aves da tranqüilidade sobrevoam... e pousam.
É naquela ilha que crescem as verdes árvores do silêncio.
Naquela ilha, o sol não fere, cai como uma névoa,
não tem pontas a sua luz, só ressalta as formas da paz.
Aquela ilha não tem praia e é cercada de pedras,
qualquer um não chega lá.
Aquela ilha fica longe e eu estou aqui.
Não sou maré, não sou espuma, nem ave.
Devo descobrir um meio para me aproximar
e plantar minhas sementes.
Mas só eu sei
que o melhor daquela ilha é olhar
silenciosamente
e ter um sonho verde
de chegar lá.

ELIANE FERREIRA DE CERQUEIRA LIMA - A poeta, escritora, professora e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ, Eliane Ferreira de Cerqueira Lima, desde cedo começou fazendo poesia e ficção até tornar-se vice-coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Mulher na Literatura, na Faculdade de Letras da UFRJ. Ela é autora do estudo sobre “A nova literatura brasileira: personagem masculina, escritura de mulher” e edita o excelente blog Literatura em vida.

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quinta-feira, agosto 13, 2009

VERS&PROSA PARA MENINA AZUL



Imagem: foto de Derinha Rocha.

ERRÂNCIAS

Luiz Alberto Machado

Seguia eu pelo mundo medonho com suas feras rangentes, gente da mais lapa traiçoeira, morrendo de sede, desenganado da vida, comendo fogo, brigando com bestas e enfermidades no alçapão.

Não tinha nada mais que esperar da vida nem de nada.

Seguia eu pelo mundo medonho matando todas as crenças para ter felicidade e matando todas as lembranças e efígies dos bandidos valentes que desencantavam a vida das ruindades, quando eu mesmo vivia de abismos em dédalos, dando o sangue pelas esquinas com toda a minha riqueza menor que um gesto perdido no olhar.

Não tinha nada mais que esperar da vida nem de nada.

Seguia eu pelo mundo medonho de suor, sangue, lágrimas, arrastando os ferros da decepção contra os moinhos de vento, açoitando o tempo, arreliando a vida, enfrentando lobos malsinados, leões irados, mordidas e males arribando nas doedeiras dos portões fechados, das portas cerradas, todas as léguas escondidas no sofrimento de quem perdido nas lapadas da vida, sem vintém no bolso e só peregrino com esperança no coração já hóspede do hades.

Não tinha nada mais que esperar da vida nem de nada.

Seguia eu pelo mundo medonho como um estrangeiro na minha própria nação, amaldiçoado de todos e sem arrimo sequer, quando certa vez do inopinado topei com ela, ponto de parada das minhas errâncias.

Topei com seus olhos vivos do reinado das limeiras de Tupar, sua boca linda das laranjas de Babel, toda flor da beleza do seu corpo delgado de princesa do Reino da Pedra Fina.

Era a promessa da remissão e não poupei da lida e fui devassando seu roçado, vasculhando seus segredos de rainha que eram entregues mansa e dadivosamente a ponto de premiar com o brilhante do seu ventre a dar-me a luz do dia e a razão da vida.

Eu não dizia o seu nome, ela não sabia de nada.

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terça-feira, agosto 11, 2009

BENJAMIM PÉRET



Imagem: Nevermore, 1897, do pintor do Pós-Impressionismo francês, Paul Gauguin (1848-1903)

BENJAMIM PÉRET (1899-1959)

AMOR SUBLIME

Dois tipos de mulheres parecem-me aptos a viver o amor sublime, porque encarnam dois aspectos da feminilidade, cujos traços são nitidamente discerníveis, o que as isola de todos os tipos possíveis: a mulher-criança e a feiticeira, a primeira figurando a expressão otimista do amor e a segunda, sua face pessimista.
Suas personalidades, de contornos perfeitamente nítidos, opõem-nas unicamente a homens cuja virilidade adquiriu características distintivas igualmente precisas.
(...)
A mulher-criança suscita o amor do homem totalmente viril, pois ela o completa traço a traço. Este amor a revela a si mesma, projetando-a num mundo maravilhoso, e por isso se abandona inteiramente a ele.
Ela figura a vida que desperta em pleno dia, a primavera explodindo de flores e cantos. Instrumento ideal do amor sublime que soube vencer todos os obstáculos, apresentando-se como única capaz de exaltar seu amante, pois o amor a deslumbrou.
Ela é levada pelo seu coração, sem esforço e sem desconfiança, “ao outro lado do espelho”.
Esperava o amor como o broto aguarda o sol, e o acolhe como um presente inesperado, mais suntuoso do que ela poderia ter sonhado.
É portadora do amor sublime em potencial, mas é preciso que ele lhe seja revelado. É toda felicidade, em qualquer condição que seu amor a coloque, pois ele ilumina sua vida: ela é o amor salvador”.
(...)
Opostamente, a feiticeira é a mulher fatal que desencadeia a paixão, não para exaltar a vida, mas para se lançar à catástrofe e aí conduzir seu amante.
Ela só é amor contido aspirando a explodir. Muitas vezes arrebata o homem de sua escolha. Possui, portanto, certos traços viris, ao contrário da mulher-criança.
É este duplo aspecto que fascina tantos homens. Ela tira seu poder do eco recebido por seu apelo, endereçado ao elemento feminino que jaz em todo homem.
(...) Se a mulher-criança oferece um objetivo imediato às relações do homem e da mulher, a feiticeira mostra a impossibilidade de atingir este objetivo nas condições atuais. Ao mesmo tempo que desdobra os maiores esforços para que triunfe seu amor, age como se pensasse que ele não era destinado a esse mundo, mas a um outro além da morte.

UMA MANHÃ

Há gritos que não acabam mais
berros de terra agitada como um leque
desmantelado
por topeiras em conserva
por soluços de tábuas que alguém estripa
longos como uma locomotiva que vai nascer
por convulsões de árvores revoltadas que não querem
deixar subir a seiva
tanto como o metrô não aceita transportar avestruzes
nos seus túneis de barba mal-escanhoada
há gritos
aranhas de vitríolo que engulo sem perceber
perto desse rio gasto saído de um bocal de cachimbo
que não passa de um longo focinho
um pouco quente
um pouco mais resmungão que um caldeirão quase
vazio
este no que tu não vês como não vês a poeira de uma
hóstia
que o vento misturou
com a poeira do vigário semelhante ao sulfato de cobre
e à da igreja mais torta que um velho
saca-rolha
pois não estás mais aí do que não estou aí sem ti
e com isso o mundo fica todo descabelado

TEMPO DIFERENTE

O sol da minha cabeça é de todas as cores
É ele que ilumina as casas
de palha
onde vivem os senhores saídos das crateras
e as belas mulheres que em cada dia nascem
e em cada tarde morrem
como os mosquitos.
Mosquito de todas as cores
que vens tu fazer aqui?
O sol este sol é para cães
e o calor sacode as montanhas
enquanto as montanhas nadam
sobre um mar pleno de luzes
onde o calor e o peso da vida
não existem
- onde eu não meteria nem a ponta do meu pé.

A DOENÇA IMAGINÁRIA

Eu sou o cabelo de chumbo
que viaja de astro em astro
que se tornará em cometa
e num ano e num dia te destruirá.

Mas por enquanto não há dias nem anos
existe apenas uma planta viçosa
de que desejas ser semelhante

Para ser irmão das plantas
é preciso crescer na vida
ser sólido quando na morte
Ora eu sou somente imóvel
e mudo como um planeta
Vou banhando os pés nas nuvens
que como bocas em volta
me condenam a ficar
entre os que parados estão
e que as plantas desesperam

No entanto um dia
os líquidos revoltados
lançarão para as nuvens
armas assassinas
manejadas pelas mulheres azuis
como os olhos das filhas do norte

E esse dia será dentro de um ano e um dia.

QUANDO ENVELHECE O DIABO TORNA-SE EREMITA

Luís Filipe é alto para a sua idade
Dá-lhe alguns cêntimos
O seu chapéu será demasiado pequeno
Dá-lhe duas gravatas
Mentirá todos os dias
Dá-lhe outro cachimbo
A sua mãe chorará
Dá-lhe um par de luvas
Perderá os seus sapatos
Dá-lhe café
Terá lâmpadas
Dá-lhe um corpete
Levará um colar
Dá-lhe suspensórios
Tratará de ratos
Dá-lhe uma pá
Subirá ao avião
Dá-lhe sopa
Fará uma estátua
Dá-lhe uns cordões
Comerá groselha

O senhor Luís Filipe
Que vive de pílulas e de pastas
Come a sua mãe
E perde o tempo caminhando.

AS FERRUGENS ENGAIOLADAS

Ah! as mocinhas que erguem o vestido
para se esfregarem na moita
ou então nos museus
atrás de Apolos de gesso
enquanto a mãe delas compara a vara da estátua
com a do marido
e suspira
Ah! se meu marido fosse parecido
Um dia a mãe voltará sozinha ao museu
mas a filha dela fugirá pelo outro lado
vara na mão
e a mãe desolada
roubará de uma porta
a maçaneta de cristal

ESCUTA

Se me abrigasses como um besouro num armário
eriçado de prímulas pintadas pelos teus olhos de viagem de longo curso
segunda terça-feira etc seriam apenas uma mosca
numa praça cercada de palácios em ruínas
onde medraria uma imensa vegetação de coral
e de chailes bordados
onde se veriam
árvores abatidas que obliquamente se vão embora
até se confundirem com os bancos dos jardins
onde eu dormia à espera que viesses
como uma floresta espera a passagem dum cometa para que se faça luz
nos seus maciços que gemem como uma lareira
a chamar pela acha que sempre desejou desde a hora em que bocejou
como uma pedreira abandonada
e treparíamos qual escadaria por uma torre acima
para nos vermos desaparecer ao longe
como uma mesa levada pela cheia

PISCADA

Bandos de papagaios atravessam minha cabeça
Quando te vejo de perfil
E o céu de banha estria-se de relâmpagos azuis
Que traçam teu nome em todos os sentidos
Rosa penteada de tribo negra perdida numa escada
Onde os seios agudos das mulheres olham pelos olhos dos homens
Hoje eu olho pelos teus cabelos
Rosa de opala da manhã
E desperto pelos teus olhos
Rosa de armadura
E penso pelos teus seios de explosão
Rosa de lagoa esverdeada pelas rãs
E durmo no teu umbigo de mar Caspio
Rosa de rosa do mato durante a greve geral
E me perco entre teus ombros de via lactea fecundada por cometas
Rosa de jasmim na noite da lavagem dos linhos
Rosa de casa assombrada
Rosa de floresta negra inundada de seios azuis e verdes
Rosa de papagaio-de-papel sobre um terreno baldio onde brigam crianças
Rosa de fumaça de charuto
Rosa de espuma de mar feita cristal
Rosa

Disse o nosso general
com o dedo no buraco do cu
O inimigo
é pr’ali marchar
Era pela pátria
Partimos
com o dedo no buraco do cu
A pátria encontrámo-la nós
com o dedo no buraco do cu
Disse-nos a marafona
com o dedo no buraco do cu
Morram ou
salvem-me
com o dedo no buraco do cu

Em seguida encontrámos o kaiser
com o dedo no buraco do cu
Hindenburgo Reischffen Bismark
com o dedo no buraco do cu
o grã-duque X Abdul-Amid Sarajevo
com o dedo no buraco do cu
mãos cortadas
com o dedo no buraco do cu
Deram-nos cabo das canelas
com o dedo no buraco do cu
devoraram-nos o estômago
com o dedo no buraco do cu
furaram-nos os colhões com fósforos
com o dedo no buraco do cu
e depois muito docemente
morremos
com o dedo no buraco do cu
Rezai por nós
com o dedo no buraco do cu

BENJAMIM PÉRET (1899-1959) - Benjamin Péret nasceu na França em 1899. Aderiu ao surrealismo na década de 20, após breve militância no movimento Dada, ao mesmo tempo que se associava ao Partido Comunista com o qual veio a romper mais tarde. Em 1924 dirigiu, com Pierre Naville, La Revolución Surrealiste e publicou os poemas D’Immortale Maladie. Viajou para o Brasil em 1929, militando no grupo trotskista local. Casado com a cantora brasileira Elsie Houston, foi deportado do Brasil em 1931. Data dessa época a destruição, pela polícia getulista, do livro O Almirante Negro. Entre 1936 e 1937 lutou em Espanha contra o franquismo, vindo posteriormente a refugiar-se no México. Já na década de 50, regressou ao Brasil. Escreveu sobre culturas indígenas e produziu uma obra poética e ensaística singular, reunida em vários volumes após a sua morte em 1959.

FONTE:
ABREU, Maria Leonor Lourenço. Amor e humor na poesia de Benjamento Péret. Sitientibus. Feira de Santana, n; 10 p. 65-78, jul/dez, 1992.
PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
PÉRET, Benjamin. Amor sublime: ensaio e poesia. Organização: Jean Puyade. Tradução: Sérgio Lima, Pierre Clemens. São Paulo: Brasiliense, 1985.
PUYADE, Jean. Benjamin Péret: um surrealista no Brasil (1929-1931). Oficina Cinema-História. O olho da história. www.oolhodahistoria.ufba.br número 8.

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sexta-feira, agosto 07, 2009

VERS&PROSA PARA MENINA AZUL



Imagem: Derinha Rocha

INCÊNDIO DAS PAIXÕES

Luiz Alberto Machado

Ela deu-me o seu corpo em brasa para incendiar os meus desejos indômitos.

Ela deu-me a sua alma em chamas para incinerar minhas loucuras concupiscentes.

Ela assim me veio como quem entrega a sua vida ao carrasco.

E pronta para ser usada, seviciada, ultrajada, vilipendiada, até ver-se exaurida de todas as satisfações, ainda deu-me a boca sedenta de todas as sedes seculares.

E ainda deu-me o ventre faminto de todo o cio acumulado.

E ainda deu-me o gozo de todas as vontades satisfeitas.

E assim viramos um do outro em si para sempre acasalados no incêndio das paixões.

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terça-feira, agosto 04, 2009

APOLLINAIRE



Imagem: Female Nude, 1925, do escultor da Arte Noubeau/Nabis francesa, Aristide Maillol (1861-1844)

O EROTISMO PORNOGRAFICO DE GUILLAUME APOLLINAIRE

A PONTE MIRABEAU

Sob esta ponte passa o rio Sena
e o nosso amor
lembrança tão pequena
sempre o prazer chegava após a pena
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
Mãos dadas nós fiquemos face a face
enquanto sob
a ponte dos braços passe
de eternas juras tédio que se enlace
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
E vai-se o amor como água corre atenta
e vai-se o amor
ai como a vida é tão lenta
e como só a esperança é violenta
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
Dias semanas passam à dezena
nem tempo volta
nem nosso amor nossa pena
sob esta ponte passa o rio Sena
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
(Tradução de Jorge de Sena)

HÉRCULES E ÔNFALE

O cu
Onfálico
(Vão cu!)
Cai rápido.
— Vês tu
Quão fálico?
— Taful!
Priápico!
Que sonho
Medonho!…
Segura!…
E a fura
O hercúleo
Acúleo.
(trad, José Paulo Paes)

A VASELINA

Praça da Ópera: por uma farmácia a dentro
Entra um senhor bem posto feito um pé-de-vento:
“estou com pressa”, diz. “Eu quero vaselina.”
Gentil, o boticário indaga do cliente
Impaciente
A que uso se destina
O graxo ingrediente:
“Se for para o rosto, é melhor levar da fina...
Qual?
Que tal
Este artigo
Que o senhor, sem perigo,
Pode no rosto usar?
Eu por mim recomendo sempre a boricada.”
E o cliente a bufar: “mas que papagaiada!
Pouco me importa qual, pois é para enrabar!”
(trad, José Paulo Paes)

EU NÃO SEI MAIS

Eu não sei mais se ainda lhe tenho amor
Nem se o inverno conhece o meu pecado
O céu é hoje um pesado cobertor
E meus amores por eu tê-los ocultado
Perecem dentro de mim mesmo de amor
(Trad. Paulo Azevedo Chaves)

TIVE A CORAGEM DE OLHAR
Tive a coragem de olhar para trás
Os cadáveres dos meus dias
Assinalam o meu caminho e eu choro-os
Uns apodrecendo nas igrejas italianas
Ou entre os limoeiros
Que dão ao mesmo tempo e em qualquer estação
A flor e o fruto
Outros dias choraram antes de morrerem nas tabernas
Fustigados por ardentes ramos
Sob o olhar duma mulata que inventava a poesia
E as rosas da electricidade abrem-se ainda
Nos jardins da minha memória.
(trad. Paulo Hecker Filho.)

O VIGIA MELANCÓLICO
E tu meu coração porque bates tão forte
Como um vigia melancólico
Perscruto a noite e a morte
(Trad. Jorge Sousa Braga)

GUI CANTA PARA LOU

Louzinha querida queria morrer num dia em que tivesses me amado
Queria ser bonito para que me amasses
Queria ser forte para que me amasses
Queria ser jovem jovem para que me amasses
Queria que a guerra começasse outra vez para que me amasses
Queria te agarrar para que me amasses
Queria te dar palmadas no traseiro para que me amasses
Queria te pisar para que me amasses
Queria que ficássemos sós num quarto de hotel em Grasse para que me amasses
Queria que fosses minha irmã para eu te amar incestuosamente
Queria que fosses minha prima que nos amássemos desde criança
Queria que fosses o meu cavalo para eu te montar muito muito tempo
Queria que fosses meu coração para eu te sentir sempre em mim
Queria que fosses o paraíso ou o inferno de acordo com o lugar onde eu vá
Queria que fosses um menino e eu o teu preceptor
Queria que fosses a noite para nos amarmos no escuro
Queria que fosses a minha vida para eu existir só por ti
Queria que fosses um obus boche para me matar de súbito amor
(Trad. Paulo Hecker Filho).


INSCRIÇÃO PARA A SEPULTURA DO PINTOR HENRI ROUSSEAU ADUANEIRO

Gentil Rousseau que nos escutas
Nós te saudamos
Delaunay a sua mulher o senhor Queval e eu
Deixa passar sem pagar direitos as nossas bagagens pelas portas do céu
Levar-te-emos pincéis tintas e telas
Para que os teus ócios sagrados ali na luz real
Os possas consagrar a pintar como quando fizeste o meu retrato
O rosto das estrelas
( Trad. Jorge Sousa Braga)

SIGNO

Fui submetido à Regência do Signo de Outono
Portanto amo as frutas e detesto as flores
Lamento todos os beijos de que fui dono
Igual à nogueira colhida diz ao vento suas dores
Meu outono eterno ó minha estação mental
Mãos dos amantes de outrora em teu solo agarradas
Uma esposa me segue, é minha sombra fatal
As pombas à tarde batem suas últimas asas
(Tradução: André Dick)

O CANTO DO AMOR

Eis de que é feito o canto sinfónico do amor
Há o canto do amor de outrora
O ruído dos beijos perdidos dos amantes ilustres
Os gritos de amor das mortais violadas pelos deuses
As virilidades dos heróis fabulosos erguidas como peças antiaéreas
O uivo precioso de Jasão
O canto mortal do cisne
O hino vitorioso que os primeiros raios de sol fizeram cantar a Mémnon o imóvel)
Há o grito das Sabinas ao serem raptadas
Há ainda os gritos de amor dos felinos nas selvas
O rumor surdo da seiva trepando pelas plantas
O troçar das artilharias que coroa o terrível amor dos povos
As ondas do mar onde nasce a vida e a beleza
O canto de todo o amor do mundo
(Trad. Jorge Sousa Braga)

ANNIE

Na costa do Texas
Há entre Mobile e Galveston
Um imenso jardim cheio de rosas
E no interior desse jardim uma villa
Que é uma grande rosa
Uma mulher passeia-se amiúde
Sozinha no jardim
E quando eu passo em frente na estrada bordada de tílias
Olhamo-nos longamente
Como esta mulher é menonita
As suas roseiras e os seus vestidos não têm um só botão
Faltam dois no meu casaco
É como se essa mulher e eu seguíssemos a
mesma religião
(Trad. Jorge Sousa Braga)


LAÇOS

Cordas feitas de gritos
Sons de sinos através da Europa
Séculos enforcados
Carris que amarrais nações
Não somos mais que dois ou três homens
Livres de todas as peias
Vamos dar-nos as mãos
Violenta chuva que penteia os fumos
Cordas
Cordas tecidas
Cabos submarinos
Torres de Babel transformadas em pontes
Aranhas-Pontífices
Todos os apaixonados que um só laço enlaçou
Outros laços mais firmes
Brancas estrias de luz
Cordas e Concórdia
Escrevo apenas para vos celebrar
Ó sentido ó sentidos caros
Inimigos do recordar
Inimigos do desejar
Inimigos da saudade
Inimigos das lágrimas
Inimigos de tudo o que eu amo ainda
(Tradução de Jorge de Sena)


APOLLINAIRE - Wilhelm Apollinaris de Kostrovitsky, que usava o pseudônimo de Guillaume Apollinaire (1880 – 1918) nasceu na Itália e se tornou um dos maiores poetas franceses, que defendia a arte dos fauves, apoia o cubismo de Picasso e Braque e mantem-se em contacto com Marinetti e os futuristas italianos. Em 1914, envolve-se na Primeira Grande Guerra e em 1916 é ferido na cabeça. Em 1913 publica Alcools. A força das suas imagens leva-o aos limiares do surrealismo. Apollinaire morre em Paris vítima de uma epidemia de gripe aos trinta e oito anos. Tornou-se um dos maiores poetas franceses ao escrever Zone, uma dolorosa fantasia romântica que figura até hoje entre os clássicos franceses. Os autores modernistas, entre os quais figurava Apollinaire, viviam à sombra do movimento cubista, que tinha sua origem nas artes plásticas. Faltava à literatura esse status de originalidade. Eles foram buscá-lo nos transgressores franceses, aqueles que o "sistema" cultural não havia absorvido até então (e que não assumiu até hoje). Entre os primeiros da fila de espera estavam o Marquês de Sade (cuja apresentação pode ser encontrada neste mesmo link) e Sacher-Masoch. Inspirando-se neles, Apollinaire escreveu As onze mil varas. Apolinnaire morreu jovem, aos 38 anos, durante o surto mundial da gripe espanhola que devastou a humanidade, e chegou inclusive no Brasil. Seus livros libertários e eróticos foram publicados com pseudônimo, mas seu estilo refinado o denunciou. Foi perseguido na França e obrigado a negar seu trabalho. Seus perseguidores perderam-se no tempo. Ele é reconhecidamente um dos maiores autores de todos os tempos.

FONTE:
PAES, José Paulo. Poesia erótica. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.


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