sexta-feira, janeiro 22, 2016

POESIA, VIDA & MORTE NO AMOR DE ÍSIS NEFELIBATA – EPÍLOGO


 Imagens exclusivas do acervo de Ísis Nefelibata. © Direitos reservados.

EPÍLOGO
Como tudo na vida do ser humano é caracterizado pela finitude, é evidente que jamais seria feliz pra sempre com Ísis. Tendo ela sido fruto da minha imaginação e que, como Galateia, tornou-se um ser humano de verdade por força da minha criação, não seria eu um exitoso Pigmalião para ter, como ele, o amor dela para sempre.



E naquele dia Ísis não se sentia bem. Vestida apenas com um longo vestido branco transparente, deixando-me ver por completa a geografia da sua nudez, ela me chegou bastante deprimida, lívida e com um desânimo nunca antes expressado, me entregou o seu Diário e um acervo com centenas de cartas, fotos e vídeos.



- Toma! É tudo seu.



Fiquei paralisado com aquela atitude dela. Estranhei e fiquei olhando-a com todas as interrogações possíveis.

- Serei pra sempre sua! Toda sua, somente sua -, disse-me beijando-me os lábios.

Com o seu beijo percebi que ela respirava com dificuldades. E perguntei-lhe:

- O que está havendo, meu amor?

- Sou sua pra sempre. -, respondeu-me já desmaiando. Ao se recompor, sentou-se na cadeira à minha frente e começou a recitar um poema...



HOJE EU QUERO FALAR-TE



Hoje eu quero falar-te...
Falar-te de coisas que nunca falei

Falar-te de um sonho, um olhar, um sorriso

Falar-te de flores, músicas, talvez do paraíso
A que me levaste um dia
Nas asas desse coração pungente.

Hoje eu quero falar-te...
Quero falar-te do vento que soprou em minha janela
Da brisa que dominou a madrugada companheira
Do orvalho que a manhã bebeu sofregamente
Das noites, dos dias e da esperança que me embriagou
Com o néctar dos beijos que até hoje eu não pude esquecer.

Sim... Hoje eu quero falar-te...
Quero falar-te da chama que esse corpo acendeu dentro de mim
Naquele momento em que a matemática
Negou a própria exatidão de seus cálculos:
Da soma de nós... um só sentimento... nada mais...
E ao longo dos anos quis vencer-nos a distância
Mas cada detalhe não se apagou da lembrança
E o próprio tempo preparou-nos outra armadilha...

Hoje eu quero falar-te...
Falar-te de hoje que, como ontem, eu sei,
Nos trará esse amanhã tão impossível
Mas tão almejado no íntimo de nossas almas
Que podem ter tido uma chance em outras vidas
Talvez uma história mais feliz
Registrada no livro da eternidade...

Hoje eu quero falar-te...
Falar-te de uma saudade que me dilacera o peito
De um reencontro, outro olhar, outro sorriso...

Ah! Meu Deus... estou perdida outra vez nesse paraíso
Que sempre abrigou a loucura desse amor sem juízo
Que me agita, me sufoca, me alegra e me entristece
Ao perceber que padeço de um bem ou mal que me enfraquece
Pois me alimento apenas de momentos roubados
Da existência desse amor que o tempo não destruiu
E a vida permitirá jamais trilharmos o mesmo caminho.

Hoje eu quero falar-te...
Mas as lágrimas talvez embarguem a minha voz
E ao olhares em meus olhos rasos d'água
Verás a sombra de um adeus que eu não tenho coragem de dizer.
..



Em seguida leu-me com dificuldade uma carta de muitas laudas. Uma carta de despedida, falando de adeus, de amor, de vida, de sexo e de nunca mais...



Amor da minha vida...
Esta é minha carta de despedida. Amo você de forma jamais sentida, me entreguei a você de corpo, alma e coração. Dediquei cada milésimo de segundo desse tempo juntos a você, com toda a sinceridade, lealdade e fidelidade da minha parte... a minha entrega não foi falsa, não foi fingida, você me tirou de mim e por incrível que pareça, você me matou... você me trouxe felicidade, me arrancou uma mulher que nunca existiu e nem eu conhecia de mim mesma. Nossa, como me abri, me entreguei, me choquei de encontro ao muro da vida... Não consigo sentir ódio de você e gostaria sinceramente de sentir, seria mais fácil pra mim, mas lhe disse várias vezes, vou morrer com esse sentimento, eu não existo mais desde que fiz minha entrega pra você... Não quero ser sua inimiga, porque não posso... eu fiz essa entrega, não me arrependo porque meu amor por você é sincero, será, sempre... me guarde pra você, pra quando me ler ou me ver, lembrar que existiu uma mulher que o amou mais que a própria vida... Não deveria dizer do desespero que me encontro, da tristeza, nem tenho como esconder isso de ninguém, mas vou tentar prosseguir... valeu, amor da minha vida... até... Aqui me despeço de vc... pela ultima vez, dizendo, eu amo você...



Mal terminou a carta e desfaleceu, cabeça pendida sobre o braço da poltrona, braços soltos, a mão deixando cair as folhas da carta...

- Ísis! Ísis! -, chamei-lhe insistentemente, segurando-a contra o meu corpo. Percebi que desfalecia em meus braços.

- Sou sua! -, murmurou ainda com dificuldade. – Sou sua...

Não deu nem tempo para socorro, ela desfalecia e dava o último suspiro nos meus braços. Beijei-lhe com toda força do meu amor, mas logo percebi seus lábios tornando-se cada vez mais frios, seu corpo perdendo o viço, sua carne esfriando-se. Ali insistentemente fiquei chamando-lhe o nome, mas ela não respondia. Olhos cerrados, lábios entreabertos, respiração nenhuma, pulso algum... ela se esvaíra rapidamente, exangue, enlanguescida e completamente jogada nos meus braços.

Não contive o choro. Ela morrera nos meus braços. Perdi a mulher que imaginei, que criei e que, verdadeiramente, amei pra sempre. E carregando-a nos meus braços, caminhei a esmo até o fim do mundo. Perdi a noção de tudo, não percebia mais nada. Eu mesmo já um morto-vivo. A vida perdera completamente o sentido. Passos no caminho...

Lá no extremo do mundo encontrei a entrada do Hades e desci seus degraus até lá pra ficar ao seu lado. Em um dos pátios do mundo dos que se foram, encontrei uma murada com alguns apetrechos de aposentos e deitei o corpo de Ísis numa almofada confortável para poder contemplá-la. Fiquei um longo tempo fitando as faces e todo corpo de Ísis, aquela que havia me proporcionado o mais maravilhoso momento na vida.

Foi quando tentando pensar em alguma coisa, tudo me fugia à cabeça, completamente desconcertado e sem um mínimo de raciocínio possível, vi e folheei seu diário com algumas passagens que contei aqui. Há muito mais coisas, poemas, cartas, relatos, fotos, vídeos, tudo dela pra mim. Um acervo e tanto. Pretendo publicar em livro, uma homenagem justíssima. Às vezes tenho a impressão de que ela respira... ledo engano, ela se foi pra sempre. E se ela ressuscitar um dia postarei aqui mais relatos do seu diário - isto é, se eu resistir a tudo isso. Ela morreu e eu estou prestes a morrer, na verdade estou morto, só contando as horas pra passar dessa pra melhor ou pior e cantando...



QUERÊNCIA



Mais um dia amanhecido

E aquele amor tão pretendido

O querer queima vontade

E arde sem ter piedade

Faz-se então todo alarido

Faz parte do que é servido

Quando se quer pra valer

Se ganhar ou se perder

Porque quem tem um amor

Dá-se com sabor de se entregar

Porque quem tem um amor

Sabe dar maior valor

Ao que se tem para amar

É sangria desatada então

Como toda danação

O querer que se apronta

Vai maior além da conta

É ferver em efusão

No mormaço da paixão

Dos desejos preteridos

Dos amores surpreendidos

Porque quem tem um amor

Dá-se com sabor de se entregar

Porque quem tem um amor

Sabe dar maior valor

Ao que se tem para amar




E ainda ouço sua voz sussurrar as palavras dela quando ouvia essa música:



Cubra-me com teu canto, meu encanto, no espanto das estrelas que se perdem em nosso universo.

Cubra-me com tua poesia, minha alegria, na alegoria das flores nos jardins que bailam em nossos sonhos.

Cubra-me com teu corpo que te sorvo nas horas serenas das noites, nos espaços inventados dos dias, meu açoite, minha lei...

E te deixo com meus traços de paixão quando te afastas, para que não te esqueças dos sabores, dos nossos rumores, gozos e prazeres até que voltes e tudo aconteça novamente...

FIM

Veja o Prólogo e toda história aqui.