sábado, janeiro 10, 2009
JEAN-JACQUES ROUSSEAU
Imagem: The Yellow Robe, do pinto italiano de Giuseppe Dangelico Pino.
UM EPIGRAMA E FRAGMENTOS DO DISCURSO SOBRE A ORIGEM DA DESIGUALDADE DE JEAN-JEACQUES ROUSSEAU
EPIGRAMA
Palpava um Barnabita irmã Colette
Por trás do parlatório, em desajeito.
A freirinha queixou-se: nem se mete
Assim. Melhor seria estar num leito.
Cara irmã, disse o monge, contrafeito,
Essa idéia vem do espírito imundo;
Deus não nos fez para estarmos a jeito
Cá embaixo, como a gente do mundo.
DISCURSO SOBRE A ORIGEM DA DESIGUALDADE
(fragmento)
“Malgrado o que dizem os moralistas, o entendimento humano deve muito às paixões, que, de comum acordo, também lhe devem muito: é pela sua atividade que a nossa razão se aperfeiçoa; só procuramos conhecer porque desejamos gozar; e não é possível conceber porque aquele que não tivesse desejos nem temores se desse ao trabalho de raciocinar. As paixões, por sua vez, se originam das nossas necessidades, e o seu progresso dos nossos conhecimentos; porque só podemos desejar ou temer coisas segundo as idéias que temos delas, ou pelo simples impulso da natureza; e o homem selvagem, privado de toda sorte de luzes, só experimenta as paixões dessa última espécie; seus desejos não passam pelas suas necessidades físicas; os únicos bens que conhece no universo são a sua nutrição, uma fêmea e o repouso; os únicos males que teme são a dor e a fome (...) Entre as paixões que agitam o coração do homem, há uma ardente, impetuosa, que torna um sexo necessário ao outro; paixão terrível que arrosta todos os perigos, derruba todos os obstáculos e, em seus furores, parece própria para destruir o gênero humano, que ela é destinada a conservar. Em que se transformarão os homens, presas desse furor desesperado e brutal, sem pudor, sem moderação, e se disputando todos os dias o amor à custa de sangue? (...) É preciso convir, primeiro, que, quanto mais violentas as paixões, mais necessárias são as leis para contê-las: mas, além das desordens e dos crimes que as paixões causam todos os dias entre nós, mostrarem toda a insuficiência das leis a esse respeito, seria bom examinar ainda se essas desordens não nasceram com as próprias leis; porque, então, quando estas fossem capazes de as reprimir, o menos que se deveria exigir delas seria fazer cessar um mal que não existiria sem elas. (...) Limitados somente à parte física do amor, e bastante felizes para ignorar essas preferências que lhe irritam o sentimento e aumentam as dificuldades, os homens devem sentir menos freqüente e menos vivamente os ardores do temperamento, e, por conseguinte, ter entre si disputas mais raras e menos cruéis. A imaginação, que faz tantos estragos entre nós, não fala a corações selvagens; cada um espera pacificamente o impulso da natureza, a ele se entregando sem escolha, com mais prazer do que furor; e, satisfeita a necessidade, todo o desejo se extingue. É, pois, coisa incontestável que o próprio amor, como todas as outras paixões, só na sociedade adquiriu esse ardor impetuoso que tantas vezes o torna funesto aos homens; e é tanto mais ridículo imaginar os selvagens como se estrangulando sem cessar para saciar a sua brutalidade, quanto essa opinião é diretamente contrária à experiência, e os caraibas, de todos os povos existentes o que, até aqui, menos se afastou do estado de natureza, são precisamente os mais pacíficos nos seus amores e os menos sujeitos ao ciúme, embora vivendo num clima escaldante, que parece dar a essas paixões uma atividade cada vez maior. (...) Relativamente às induções que se poderiam tirar, em várias espécies de animais, dos combates dos machos que ensangüentam constantemente os nossos terreiros, ou que, disputando a fêmea na primavera, fazem retumbar as florestas com seus gritos, é preciso começar por excluir todas as espécies em que a natureza estabeleceu manifestamente, na potência relativa dos sexos, relações que não há entre nós: assim, as brigas dos galos não formam uma indução para a espécie humana. Nas espécies em que a proporção é mais bem observada, esses combates só podem ter como causa a raridade das fêmeas em relação ao número de machos, ou os intervalos exclusivos durante os quais a fêmea recusa constantemente a aproximação do macho, o que eqüivale à primeira causa; porque, se cada fêmea só suporta o macho durante dois meses do ano, a esse respeito é como se o número das fêmeas estivesse abaixo de cinco sextos. Ora, nenhum desses dois casos é aplicável à espécie humana, em que o número de fêmeas ultrapassa, em geral, o dos machos, em que nunca se observou, mesmo entre os selvagens, que as fêmeas tenham, como as das outras espécies, épocas de calor e de exclusão. De resto, entre muitos desses animais, toda a espécie entrando ao mesmo tempo em efervescência, vem um momento terrível de ardor comum, de tumulto, de desordem e de combate: momento que não existe para a espécie humana, na qual o amor nunca é periódico. Não se pode concluir, pois, dos combates de certos animais pela posse das fêmeas, que a mesma coisa acontecesse ao homem no estado de natureza; e, ainda mesmo que se pudesse tirar essa conclusão, como essas dissenções não destroem as outras espécies, deve-se pensar ao menos que não seriam mais funestas à nossa espécie; e é muito aparente que elas causassem ainda menos devastação do que na sociedade, principalmente nos países em que, sendo os costumes ainda contados para alguma coisa, o ciúme dos amantes e a vingança dos esposos causam todos os dias duelos, assassínios e coisas piores ainda; em que o dever de uma eterna fidelidade só serve para provocar adultérios, e em que as próprias leis da continência e da honra estendem necessariamente o deboche e multiplicam os abortos. Concluamos que, errando nas florestas, sem indústria, sem palavra, sem domicílio, sem guerra e sem ligação, sem nenhuma necessidade dos seus semelhantes, assim como sem nenhum desejo de os prejudicar, talvez mesmo sem jamais se reconhecerem individualmente, o homem selvagem, sujeito a poucas paixões e bastando-se a si mesmo, tinha somente os sentimentos e as luzes próprias desse estado; que não sentia senão as suas verdadeiras necessidades, não olhava senão o que acreditava ter interesse de ver; e que sua inteligência não fazia mais progressos do que a sua vaidade. Se, por acaso, fazia alguma descoberta, podia tanto menos comunicá-la do que nem mesmo reconhecia seus filhos. A arte perecia com o inventor. Não havia educação nem progresso; as gerações se multiplicavam inutilmente; e, partindo cada uma sempre do mesmo ponto, os séculos se escoavam em toda a grosseria das primeiras idades; a espécie já estava velha, e o homem conservava-se sempre criança”.
“Viver não é meramente respirar, mas sim agir; é fazer uso de nossos órgãos, sentidos e faculdades, de todas as partes de nós mesmos que nos dão a sensação de existência.”1
JEAN-JACQUES ROUSSEAU - Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra no ano de 1712 e morreu no de 1778. Dotado de excepcionais qualidades de inteligência e imaginação, foi ele um dos maiores escritores e filósofos do seu tempo. Em suas obras, defende a idéia da volta à natureza, a excelência natural do homem, a necessidade do contrato social para garantir os direitos da coletividade. Seu estilo, apaixonado e eloqüente, tornou-se um dos mais poderosos instrumentos de agitação e propaganda das idéias que haviam de constituir, mais tarde, o imenso cabedal teórico da Grande Revolução de 1789-93. Ao lado de Diderot, D'Alembert e tantos outros nomes insignes que elevaram, naquela época, o pensamento científico e literário da França, foi Rousseau um dos mais preciosos colaboradores do movimento enciclopedista. Das suas numerosas obras, podem citar-se, dentre as mais notáveis: Júlia ou A Nova Heloísa (1761), romance epistolar, cheio de grande sentimentalidade e amor à natureza; O Contrato Social (1762), onde a vida social é considerada sobre a base de um contrato em que cada contratante condiciona sua liberdade ao bem da comunidade, procurando proceder sempre de acordo com as aspirações da maioria; Emílio ou Da Educação (1762), romance filosófico, no qual, partindo do princípio de que "o homem é naturalmente bom" e má a educação dada pela sociedade, preconiza "uma educação negativa como a melhor, ou antes, como a única boa"; As Confissões, obra publicada após a morte do autor (1781-1788), e que é uma autobiografia sob todos os pontos-de-vista notável.
Este personagem principal e famoso da Revolução francesa, em seu livro chamado "Confissões" fala em alto e bom som dos prazeres que homens perfeitamente constituído em caráter e mente, e os amantes ferventes das mulheres que experimentavam ser chicoteados por elas. Escreveu: “(...) como Mademoiselle Lambercier experimentava em nós o afeto de uma mãe, também gostava de exercitar sua autoridade, ocasiões em que ela apreciava quando nos castigava. Durante muito tempo estava determinada a nos ameaçar, e cada ameaça de um novo castigo, um começo era terrível para mim. Porém quando o castigo se materializava, eu o achava menos terrível do que tinha imaginado. E a coisa mais curiosa é que com cada castigo minha adoração a ela crescia por ela impor isto para mim. Na dor e até na vergonha da humilhação, eu encontrei um tanto quanto a sensualidade que gerava em mim mais desejos que medo pela experiência de novamente outro castigo”. Vê-se, pois, que ele era adepto do spanking e defendia que a masturbação nada mais é que uma forma de expressão do desejo sexual no ser humano.
Para Hannah Arendt ele foi o "criador" da intimidade no século XVII e, como era um homem dado à mansidão e ao culto à bondade natural, reiterou que a instrução das mulheres "(...) deve ser relativa ao homem. A mulher é feita para ceder ao homem e suportar-lhe as injustiças".
FONTE:
PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. São Paulo: Companhia das Letras, 2006
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens São Paulo/Brasilia: UnB/Ática, 1989.
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