sexta-feira, outubro 24, 2008

SILVIA MARA



Imagem: Nu, de Jan Saudek

A CARNAL EXPRESSÃO POÉTICA DE SILVIA MARA

CRIME E CASTIGO

Quando inicia
fala aos meus pés...
se detêm em ouvir os dedos
que murmuram.
Ao calcanhar inconfessável
segredos vulneráveis.
Ensurdece os vizinhos.
(...)
Ocupa-se longamente
e permanece
permanece.
Morde meus lábios
todos os lábios.
Pequenos
médios
grandes...
me descobre
me cobre
me cobre.
Brinca de esconde-esconde
nas coxas emprestadas.
Sua
sua
sua.
Soa poesia pela boca
sua boca pelo corpo
seu corpo pelo meu.
Em par
somos ímpares.
E repete
repete...
Até exaurir os lençóis
manchar as paredes
enguiçar a janela
incendiar o abajur.
E chama
chama...
Faz suar o banheiro.
envergonha a fechadura
queima a comida.
Devora tudo o que sou.
Até que eu suplique
não posso.
Até que implore
chega.
Até que desmaie.
Acordamos
naquele horário
cientes do que fizemos.
Só nós dois sabendo
em que estado
abandonamos os corpos.

SEM TÍTULO

Continua beijando.
Sente o gosto cítrico de tomate que carrego.
Continua beijando.
E fala comigo daí.
Murmura
porque ecoa.
Fala daí.
Escutas o barulho do molhado
perdido entre as coxas onde naufragas.
Beija meus lábios
lembrando o gosto que tem minha comida.
E pensa como é quando estás com fome.
E cospe bem
cospe bem no prato que tu come.

INAPTA

Promovo uma escrita armada.
Aliada atriz incapaz de simular.
Só policio o que intenta a caneta.
Filha que casou com o pai.
Mãe do próprio marido.
Beijo oito focinhos por dia.
Quando em português pareço grego.
Há muito me abandonou o microfone.
Explode todos os dias um amigo.
Adversos encaminham os proclames.
O plantão mora lá em casa.
Abro a porta e encerro.
É madrugada que me acorda pra passear.
Não pretendo nome de rua.
Ando só de boca em boca.
Sempre que furiosa sou lúcida.
Quando sensata pareço louca.

PARADA

Entrou mais alguém.
Além de mim
mais alguém
e mais alguém
e mais
e mais...
até não poder entrar ninguém.

Nunca achei que teria tanto espaço.

DEPOIS DE TI

Minha preocupação é com as horas,
precisamente com os próximos vinte anos.
Estarei lá, bela, quase cinqüentona.
Mas e tu?
Chegarás aos oitenta?
Mais que a fraqueza das unhas, a reposição de hormônio,
a perda natural do meu vigor...
me preocupo com a tua vitalidade.
Continuarei com cabelo comprido pra disfarçar e,
certamente,
até lá,
uma prótese atenuará crises de depressão.
Já não serei tão vistosa...
Mas e tu?
Terás o mesmo ímpeto para levantar da cama?
Serás vigoroso fazendo amor?
Serás impetuoso ao levantar?
Ou já não levantarás mais?
Ou já não mais?

ROMANCE POLICIAL

(...) na voz do delegado.
Começou dar queixa
- sem crime
Decido: sedução
e registro a ocorrência
me faço de vítima
ponho ela no papel da escrivã
uso toda a autoridade
e digo não pára,
conte nua.
Então ela cala
Eu - Falo sem parar.

... e trocamos de posição.

VÊNUS VOYER

Vênus
nos

nus.

AVE!

Abro-as pra que possas alçar vôo.
Afasto devagar.
Pousa doce bico
às voltas desse néctar.
E passa passarinho.
Faz desta fenda
pra sempre teu ninho.

POEMA PARA MIM

Sou singular.
Tudo que digo
primeira pessoa.
Nos outros
só o que me reflete.
Sou indiferente ao diferente.
Minha verdade
é falsa modéstia.
Nasci salão de espelhos
Tudo que faço
pura vaidade!

... de tanto me ver
cego.

DO COMEÇO AO FIM

Quando te conheci
quis casar menina.
Da primeira vez
fiz amor parecendo última.
Éramos
anjos obscenos...
Havia paixão, fúria,
uma vontade de chorar incontrolável.
Agora o que quero é te perder...
pra sempre.

Pra que
toda esta história tenha
algum sentido.


SILVIA MARA – a poeta e jornalista gaucha, Silvia Mara, é graduada em Arte Dramática - Interpretação Teatral e em Artes Visuais pela UFRGS , participou da fundação da Casa do Poeta de Camaquã – CAPOCAM e edita o blog Amarela Poesia.

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