sábado, outubro 25, 2008
LA FONTAINE
Imagem: Venus and Vulcan, 1610, do pintor do Maneirismo flamengo Bartholomeus Spranger (1546-1611)
A FABULOSA POÉTICA DE LA FONTAINE
EPIGRAMA
Amar, foder: uma união
De prazeres que não separo.
A volúpia e os prazeres são
O que a alma possui de mais raro.
Caralho, cona e corações
Juntam-se em doces efusões
Que os crentes censuram, os loucos.
Reflete nisso, oh minha amada:
Amar sem foder é bem pouco,
Foder sem amar não é nada.
POEMA
É o jogo mais divertido desse mundo afora,
Um jogo que renova freqüentemente a ardência:
O que me agrada é que muita inteligência
Não se necessita e em nada colabora.
Ora, adivinha como este jogo se nomeia.
Você, assim como nós, o joga;
E diverte tanto a bela quanto a feia.
Seja dia, seja noite, é agradável a qualquer hora,
Porque se vê claramente sem candeia.
Ora, adivinha como este jogo se nomeia.
O belo do jogo é que o marido o ignora:
É com o amante que este prazer granjeia.
E a assistência, para os lances definidora,
Se dispensa. Nunca há pelejas.
Ora, adivinha como este jogo se nomeia.
INVOCAÇÃO À VOLÚPIA
Sem ti, doce Volúpia, o viver e o morrer
Teriam, desde o berço, idêntico valor:
De toda a criação, universal pendor,
Com que força fatal, tu consegues prender!
Tudo, por ti, aqui se passa.
Por tua causa e tua graça,
A duras penas todos vão:
Não há soldado, capitão,
Nem fidalgo, plebeu, nem Ministro de Estado,
Que em ti não tenha o olhar pregado
Das Musas na afeição, se, de serões nascido,
Um agradável som não nos encanta o ouvido,
E se ele não nos traz amena sensação,
Tentamos nós uma canção?
O que, pomposamente, é chamado de glória
E, nos jogos d'Olimpo, exalçava a vitória,
Precisamente, és tu, Volúpia divinal.
E seu preço não tem o prazer sensual?
E então por que os dons de Flora,
O pôr-do-sol, a linda Aurora,
Pomona e seus finos manjares,
Baco, razão dos bons jantares,
Florestas, fontes, pradarias,
Mães de fagueiras fantasias?
Belas artes, por quê? de quem és a nascente,
Por que tanta beldade, amável, atraente,
Se não pra vires, até nós, sempre morar?
Eis o meu parecer, por mais procure alguém
O seu desejo castigar,
Algum prazer inda lhe vem.
Ó Volúpia gentil, que, na Grécia de outrora,
De um pensador foste senhora,
Não me desprezes não: vem à minha morada,
Não ficarás sem fazer nada:
Amo os livros, o amor, música e diversão,
Cidade, campo, enfim; o mundo nada tem
Que não me seja enorme bem,
Mesmo o aflito prazer de um triste coração.
Vem, pois, e desse bem, ó Volúpia querida,
Queres então saber a medida acertada?
Pelo menos preciso uns cem anos de vida,
Pois trinta só é quase nada...
OS DOIS POMBOS
(Epílogo)
O vós que vos amais, quereis então viajar?
Não seja nunca muito longe.
E sede mutuamente um mundo sempre lindo,
Sempre novo, sempre sorrindo.
A sós, tudo supri, nada vos dê cuidado.
Eu amei uma vez: e por isso, jamais,
Por tesouros, paços reais,
Por todo o firmamento e o céu todo estrelado,
Eu trocaria algum lugar
Honrado pelos pés, aceso pelo olhar
Da querida pastora em flor
A quem, ferido pelo Amor,
Servi, preso por meus primeiros juramentos.
Ai! quando voltarão semelhantes momentos?
Tanta amável mulher, cheia de encantamentos,
Ao léu, me deixará, de minha alma inconstante?
Ai! se de novo o peito ousara se inflamar!
E não mais sentirei afeição que me encante?
Já se foi meu tempo de amar?
A VIUVINHA
A perda de um marido inspira muitos ais.
Brada aos céus a viúva e depois se consola,
Pois nas asas do Tempo a tristeza se evola.
De novo o Tempo os gozos traz.
Entre a recente viuvez
E a que tem pouco mais de um mês
A diferença é grande e quase que se pensa
Que não seja a mesma pessoa.
Uma nos faz fugir, a outra é linda presença.
Aquela, um pranto falso ou verdadeiro entoa;
E sempre a mesma nota e conversa sem fim;
Diz que não tem consolação;
Fala, mas não é bem assim,
Como neste conto verão,
Que bem traduz uma verdade.
O esposo de jovem beldade
Partia para o além. A seu lado, a mulher
Lhe gritava: "Me espera, eu não quero viver,
A minha alma, com a tua, está pronta a voar!"
Quem partiu foi ele somente.
A bela tinha um pai, varão experiente,
Que o tempo deixando rolar,
Lhe disse, enfim, pra consolar:
"Minha filha, é demais o teu copioso pranto:
Exige o mono, então, que afogues teu encanto?
Se a vida continua, esquece os falecidos.
Não digo que, mui brevemente,
Melhor partido se apresente,
Transforme em bodas teus gemidos,
Considera, mais tarde, a proposta, porém,
De um jovem, belo esposo e melhor, ó meu bem,
Que o finado. - O meu casamento,
A filha respondeu, há de ser um convento."
A desgraça engolir, deixou-lhe o velho pai.
Desse modo, um mês lá se vai;
E ela gasta o outro mês, cada dia mudando,
No adorno, alguma coisa, os cabelos, o fato:
O luto, enfim, serve de ornato,
Outros enfeites esperando.
Dos amores, o alegre bando
Volta logo ao pombal; a dança, a alacridade,
Terão depois a sua vez:
E noite e dia a viuvez
À fonte vai da Mocidade.
Não teme mais o pai o defunto querido;
Deixando de falar de casamento à bela:
"Mas onde está o jovem marido
Que você prometeu?" diz ela.
JEAN DE LA FONTAINE – O escritor La Fontaine (1621-1695) pertenceu ao grupo de escritores do período clássico da literatura francesa. A sua estréia literária se deu com seus Contes (Contos), publicados em vários volumes. O primeiro deles foi Novelles en vers tirées de Bouccace et de l'Arioste (1665; Novelas em versos extraídos de Boccaccio e Ariosto) e o último teve publicação póstuma. São narrativas sutilmente licenciosas que visam a diversão do leitor. Les Amours de Psyché et de Cupidon (1669; Os amores de Psiquê e Cupido) se destaca pela elegância da prosa e pela análise maliciosa da psicologia feminina. La Fontaine tornou-se internacionalmente conhecido com suas fábulas inspiradas nas tradições clássica e oriental. Escritas em versos e reunidas em 12 livros publicados entre 1668 e 1694, incluem histórias mundialmente conhecidas, como "La Cigale et la fourmi" ("A cigarra e a formiga"), "Le Corbeau et le renard" ("O corvo e a raposa") e "Le Loup et l'agneau" ("O lobo e o cordeiro"). São fábulas que se distinguem sobretudo pelo valor literário e nas quais há elementos de comédia e drama. Em 1684, foi nomeado membro da Academia Francesa, justo reconhecimento a um autor que deu ao classicismo francês uma de suas mais belas expressões literárias.
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