terça-feira, outubro 09, 2007



Imagem: Heisler Mulano, ilustrador, designer, diretor de arte e freelancer mineiro.

O NOVELO DA VOLÚPIA DO MENINO

"Dos beijos ao banquete apaixonado em sonhos o amor levou-me um dia". (Ascenso Ferreira).

Luiz Alberto Machado

A prima chegara com alvoroço naquele veraneio. Todo mundo era só dente aberto a recepcionar-lhe. Eu mesmo me ria com os dentes no coarador. Menos minha mãe que não aprovara muito aquela chegada, dissimulando aos poucos por ser ela já adulta e podendo ajudar na casa e no cuidado comigo e minhas irmãs. Se bem que eu já estava bem taludo, onze para doze anos, bigodinho ralo e um vício na punhêta de não deixar um só segundo de ficar amolegando o pingulim.
Tirante minha mãe, já o meu pai, eu e minhas três irmãs estávamos exultantes, em clima de festa com a prima-tia. Eu, principalmente, que não tirava os olhos daquele decote dos bustos de Brigitte Bardot, daquelas feições ciganas, aquele bamboleio no meio da casa dançando o seu fanatismo por bolero, aquela Marilyn Monroe trigueira com o olhar de azeviche - parecia com uma daquelas mulheres que a gente vê em capa de revista ou nua nos calendários de oficina mecânica. Até um sinal numa das faces a danada possuía. Essa era Lucrécia Maria, minha prima-tia por parte de pai.
Mesmo que eu quisesse não desgrudava os olhos dos seus 65 de cintura, os seus 95 de busto, os 110 de quadril. Estava encurralado pela minha obsessão, chegando muitas vezes a ficar babando de queixo caído, conferindo-lhe a geografia bela e bem distribuída naquele corpo mais que altaneiro.
Eu já vivia de pau duro a vigiar-lhe os mínimos movimentos. Acompanhava toda a sua caminhada dentro de casa até a hora de dormir.
Lucrécia. Um nome apregado na minha cabeça, no meu exogênio, na minha querência adolescente.
Havia revezes e ela não escapara deles. Soube, muito mais tarde, que ela fora estuprada aos 11 anos por um desconhecido, perdendo os três vinténs numa noite e no caminho de volta para casa. E aos 15 tivera relações incestuosas com Alexandre, um irmão bastardo por parte de mãe que lhe iludira com juras amorosas. Aos 17 se casara com Afonso que fora estrangulado misteriosamente no trabalho. Enviuvara e não convolara novas núpcias até agora.
Ela atendera o convite do meu pai de morar com a gente evitando estardalhaço de sua viuvez. Exultei mesmo quando soube que ela dormiria no mesmo quarto que eu.
Minha genitora desconfiadíssima, reprovara logo a provocação que o ser natural dela já imprimia e, olho de esguelha para mim, - tido como capeta que desde os seis anos se deitava no chão só para descobrir as intimidades das amigas dela, virgem! Aquela resolução não traria benefícios para minha formação de adolescente.
Era verdade, eu derrubava todo tipo de coisa no chão, de propósito, só para descobrir os mistérios embaixo das saias. Fingia um calor medonho para ficar deitado no chão friínho só para ver a calcinha das visitas. Até a professora do primário fora vítima das minhas artimanhas, descobrindo-me possuidor de um espelhinho colado no sapato para saber-lhe a cor dos fundilhos. Assim ficou e assim foi.
Vi Lucrecia entusiasmada e cantarolando ao arrumar as coisas no meu guarda-roupa. Dividimos os espaços dele. E, depois disso, conversamos animadamente sobre como seria dali para adiante as nossas vidas. Prometi tudo, o que podia e não, tentando cativar-lhe a emoção. E ficávamos ali, ninguém nem nada a nos perturbar.
Desfizemos juntos suas malas até altas horas da noite: uma bandeira enorme do Flamengo, muitos discos de Djavan que ela era fã de carteirinha; muitas roupas; um livro de Vinicius de Morais, "Para viver um grande amor"; algumas revistas; e uma porção de brebotes femininos que nunca tinha nem visto.
Exaustos, pegamos no sono do jeito que estávamos: um atravessado por cima do outro.
Na primeira tarde seguinte, contara-me de seus sonhos: Yolanda Pereira ou Yeda Maria Vargas? Ou mesmo uma Lisa Gherardini para qualquer da Vinci anônimo. Ah, se pudesse, seria miss universo, já era do meu coração, ora. Era a apoteose do meu quarto. Quanta sustança, o seu cheiro de almíscar, a cor de canela, o corcovo do seu corpo, aquela tatuagem obscura nas costas, a saia justa, o decote excelso, vaidosa, cabotina, molestava a todos ininterruptamente. Estávamos como que confidentes. Eu, vulnerável, ela ria, mais se ria com os meus motejos.
Quando revirava para pegar alguma coisa, via-lhe pela brecha da blusa de mangas largas, aberta dos lados, mostrando-me os seios volumosos. Isso ocorria toda vez que ia pegar alguma coisa. Eu chegava ao cume, oh, que Vênus de Milo! Assim, o meu sangue tranfuso, a minha enfermidade, o efeito de cada toque despretensioso se tornava uma picada fulminante incendiando a minha glutonaria.
- Chegou a hora da ceia, vamos?
Era a minha mãe interrompendo o meu devaneio. Jantávamos. Eu me sentava ao seu lado, meu pai e minhas irmãs cheias de perguntas disso e daquilo, ao que ela respondia invariavelmente. Meio que irritado com as cobranças deles, recolhi-me ao quarto e fiquei bisbilhotando suas calcinhas, sutiãs, lingeries, cheirava revirando os olhos no meio de uma punheta. Assaltou-me no flagrante, um meio riso no rosto. Eu, lívido, sem saber o que dizer.
- Vamos dormir, já é tarde!
Era, perdi a noção do tempo. Tomou-me entre os braços e deitamo-nos, eu encangado nela. Meu membro viril dava sinal de vida, encostado na sua coxa esquerda. Ela remexeu-se, mas deixou como estava. Fiquei esfregando-me, deitando minha mão boba sobre sua barriguinha. A minha banana pacova desvencilhou-se do meu calção, ficando todo estirado e lambuzando as suas pernas.
Enquanto um de seus braços envolvia o meu pescoço, o outro, de repente, trouxe sua mão para o meu pênis, agora ajeitado e espremido entre as suas coxas. Arfei. Ela enrolou-me bem no cobertor, estreitando mais ainda o nosso contato: meu rosto entre os seus seios.
Aproveitando aquela festa íntima, fiquei lambendo o rego deles, enquanto dava umbigada nos seus membros inferiores.
- Eita! -, disse-me com espanto.
- O que foi? -, me fazendo de besta.
- Safadinho, você, hem? -, reprimiu minha ousadia.
E apertou-me mais ainda enquanto eu mesmo ruborizava perdido nas suas profundas águas.
Muitas e muitas noites infindas assim, onde, às vezes, me falava das segregações que fora vítima por ser a mulher que é, as repreensões coletivas, as suas apreensões íntimas. Eu ainda não sabia de deus, mas começava a saber do outro lado que a moeda não mostrava, dos outros lados ocultos da moeda além dos dois lados visíveis: a cara, a coroa, as não-caras, as não-coroas, as não-não.
- Da mesma maneira que existem microrganismos, invisíveis aos nossos sentidos, velejando por nossas entranhas, benignos ou malignos, sem darmos conta disso, pode ser que sejamos também microrganismos numa macrorganização cosmogônica, não perceptível por nossos sentidos. Talvez sejamos mais inúteis que imaginemos em nossa soberba. Talvez sejamos ínfimos quanto o desdém de sermos nada.
Dissera-me certa vez em que me encontrava com os olhos aguçados. E eu lia as suas tristezas que se misturavam com as suas alegrias, a sua vitalidade, as suas negações. Despertava-me por um caminho nunca antes trilhado: a iniciação nas coisas do corpo e da alma, a crise somática e a incredulidade metafísica. Falava-me de compreensão, uma palavra mágica capaz de tocar na mais profunda pele do coração. Esta sim, a secreta palavra perdida na semântica. A dos essênios, a dos mistérios irreveláveis. Xingava as convenções, as leis sectárias, as condutas ortodoxas, a miséria e a suntuosidade. Caldeirão enorme com todas as adversidades juntas, paradoxos, flatulências e comiserações. Eram reclamos sem nexo, ao meu entender. E no meio de suas vociferações, ela me abraçava ardentemente, beijava meus olhos, tocava minha a pele e me dava rotas transcendentais.
Certa vez virou-se pelo avesso e mostrou a bruxa velha que fora abandonada pelos filhos e por todos e que estendia a mão a qualquer um ser vivente para alentar as almas perdidas. Mal entendera e já metamorfoseava numa angélica menina de auréola e asas que falava ruindades das pessoas.
Passei as mãos aos olhos, era ela mesma com um riso comedido e com as mãos espalmadas.
- Venha!
E me ensinou a transcendência de amar.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. In: Rol da Paixão.

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