quarta-feira, junho 03, 2009

BERNARDO GUIMARÃES (1825-1884)



Imagens: Ilustrações do livro Elixir do Pajé.

O ERÓTICO DE BERNARDO GUIMARÃES (1825-1884)

A ORIGEM DO MÊNSTRUO (De uma fábula de Ovídio achada nas escavações de Pompéia evertida em latim vulgar por Simão de Nuntua).

Stava Vênus gentil junto da fonte
fazendo o seu pentelho,
com todo o jeito, pra que não ferisse
das cricas o aparelho.

Tinha que dar o cu naquela noite
ao grande pai Anquises,
o qual, com ela, se não mente a fama,
passou dias felizes...

Rapava bem o cu, pois, resolvia
na mente altas idéias:
– ia gerar naquela heróica foda
o grande e pio Enéias.

Mas a navalha tinham o fio rombo,
e a deusa, que gemia,
arrancava os pentelhos e peidando,
caretas mil fazia!

Nesse entretanto, a ninfa Galatéia,
acaso ali passava, e vendo a deusa assim tão agachada,
julgou que ela cagava...

Essa ninfa travessa e petulante
era de gênio mau,
e por pregar um susto à mãe do Amor,
atira-lhe um calhau...

Vênus se assusta. A branca mão mimosa
se agita alvoroçada,
e no cono lhe prega (oh! caso horrendo!)
tremenda navalhada.

Da nacarada cona, em sutil fio,
corre purpúrea veia,
e nobre sangue do divino cono
as águas purpureia...

(É fama que quem bebe dessas águas
jamais perde a tesão
e é capaz de foder noites e dias,
até no cu de um cão!)

– "Ora porra!" – gritou a deusa irada,
e nisso o rosto volta...
E a ninfa, que conter-se não podia,
uma risada solta.

A travessa menina mal pensava
que, com tal brincadeira,
ia ferir a mais mimosa parte
da deusa regateira...

– "Estou perdida!" – trêmula murmura
a pobre Galatéia,
vendo o sangue correr do róseo cono
da poderosa déia...

Mas era tarde! A Cípira, furibunda,
por um momento a encara,
e, após instantes, com severo acento,
nesse clamor dispara:

"Vê! Que fizeste, desastrada ninfa,
que crime cometeste!
Que castigo há no céu, que punir possa
um crime como este?

Assim, por mais de um mês inutilizas
o vaso das delícias...
E em que hei de gastar das longas noites
as horas tão propícias?

Ai! Um mês sem foder! Que atroz suplício...
Em mísero abandono,
que é que há de fazer, por tanto tempo,
este faminto cono?

Ó Adonis! Ó Jupiter potentes!
E tu, mavorte invito!
E tu, Aquiles! Acudi de pronto
da minha dor ao grito!

Este vaso gentil que eu tencionava
tornar bem fresco e limpo
para recreio e divinal regalo
dos deuses do Alto Olimpo

Vede seu triste estado, ó! Que esta vida
em sangue já se esvai-me!
Ó Deus, se desejais ter foda certa
vingai-vos e vingai-me!

Ó ninfa, o teu cono sempre atormente
perpétuas comichões,
e não aches quem jamais nele queira
vazar os seus colhões...

Em negra, podridão imundos vermes
roam-te sempre a crica,
e à vista dela sinta-se banzeira
a mais valente pica!

De eterno esquentamento flagelada,
verta fétidos jorros,
que causem tédio e nojo a todo mundo,
até mesmo aos cachorros!"

Ouviu-lhe estas palavras piedosas
do Olimpo o Grão-Tonante,
que em pívia ao sacana do Cupido
comia nesse instante...

Comovido no íntimo do peito,
das lástimas que ouviu,
manda ao menino que, de pronto, acuda
à puta que o pariu...

Ei-lo que, pronto, tange o veloz carro
de concha alabastrina,
que quatro aladas porras vão tirando
na esfera cristalina

Cupido que as conhece e as rédeas bate
da rápida quadriga,
co'a voz ora as alenta, ora co'a ponta
das setas as fustiga.

Já desce aos bosques onde a mãe, aflita,
em mísera agonia,
com seu sangue divino o verde musgo
de púrpura tingia...

No carro a toma e num momento chega
à olímpica morada,
onde a turba dos deuses, reunida,
a espera consternada!

Já Mercúrio de emplastros se aparelha
para a venérea chaga,
feliz porque aquele curativo
espera certa a paga...

Vulcano, vendo o estado da consorte,
mil pragas vomitou...
Marte arranca um suspiro que as abóbadas
celestes abalou...

Sorriu a furto a ciumenta Juno,
lembrando o antigo pleito,
e Palas, orgulhosa lá consigo,
resmoneou: – "Bem-feito"!

Coube a Apolo lavar dos roxos lírios
o sangue que escorria,
e de tesão terrível assaltado,
conter-se mal podia!

Mas, enquanto se faz o curativo,
em seus divinos braços,
Jove sustém a filha, acalentando-a
com beijos e com abraços.

Depois, subindo ao trono luminoso,
com carrancudo aspecto,
e erguendo a voz troante, fundamenta
e lavra este DECRETO:

– "Suspende, ó filha, os lamentos justos
por tão atroz delito,
que no tremendo Livro do Destino
de há muito estava escrito.

Desse ultraje feroz será vingado
o teu divino cono,
e as imprecações que fulminaste
agora sanciono.

Mas, inda é pouco: – a todas as mulheres
estenda-se o castigo
para expiar o crime que esta infame
ousou para contigo...

Para punir tão bárbaro atentado,
toda humana crica,
de hoje em diante, lá de tempo em tempo,
escorra sangue em bica...

E por memória eterna chore sempre
o cono da mulher,
com lágrimas de sangue, o caso infando,
enquanto mundo houver..."

Amém! Amém! como voz atroadora
os deuses todos urram!
E os ecos das olímpicas abóbadas,
Amém! Amém! sussurram...



O ELIXIR DO PAJÉ

Que tens, caralho, que pesar te oprime
que assim te vejo murcho e cabisbaixo
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo pela perna abaixo?
Nessa postura merencória e triste
para trás tanto vergas o focinho,
que eu cuido vais beijar, lá no traseiro,
teu sórdido vizinho!
Que é feito desses tempos gloriosos
em que erguias as guelras inflamadas,
na barriga me dando de contínuo
tremendas cabeçadas?
Qual hidra furiosa, o colo alçando,
co'a sanguinosa crista açoita os mares,
e sustos derramando
por terras e por mares,
aqui e além atira mortais botes,
dando o co'a cauda horríveis piparotes,
assim tu, ó caralho,
erguendo o teu vermelho cabeçalho,
faminto e arquejante,
dando em vão rabanadas pelo espaço,
pedias um cabaço!
Um cabaço! Que era este o único esforço,
única empresa digna de teus brios;
porque surradas conas e punhetas
são ilusões, são petas,
só dignas de caralhos doentios.
Quem extinguiu-te assim o entusiasmo?
Quem sepultou-te nesse vil marasmo?
Acaso pra teu tormento,
indefluxou-te algum esquentamento?
Ou em pífias estéreis te cansaste,
ficando reduzido a inútil traste?
Porventura do tempo a destra irada
quebrou-te as forças, envergou-te o colo,
e assim deixou-te pálido e pendente,
olhando para o solo,
bem como inútil lâmpada apagada
entre duas colunas pendurada?
Caralho sem tensão é fruta chocha,
sem gosto nem cherume,
lingüiça com bolor, banana podre,
é lampião sem lume
teta que não dá leite,
balão sem gás, candeia sem azeite.
Porém não é tempo ainda
de esmorecer,
pois que teu mal ainda pode
alívio ter.
Sus, ó caralho meu, não desanimes,
que ainda novos combates e vitórias
e mil brilhantes glórias
a ti reserva o fornicante Marte,
que tudo vencer pode co'engenho e arte.
Eis um santo elixir miraculoso
que vem de longes terras,
transpondo montes, serras,
e a mim chegou por modo misterioso.
Um pajé sem tesão, um nigromante
das matas de Goiás,
sentindo-se incapaz
de bem cumprir a lei do matrimônio,
foi ter com o demônio,
a lhe pedir conselho
para dar-lhe vigor ao aparelho,
que já de encarquilhado,
de velho e de cansado,
quase se lhe sumia entre o pentelho.
À meia-noite, à luz da lua nova,
co'os manitós falando em uma cova,
compôs esta triaga
de plantas cabalísticas colhidas,
por sua próprias mãos às escondidas.
Esse velho pajé de pica mole,
com uma gota desse feitiço,
sentiu de novo renascer os brios
de seu velho chouriço!
E ao som das inúbias,
ao som do boré,
na taba ou na brenha,
deitado ou de pé,
no macho ou na fêmea
de noite ou de dia,
fodendo se via
o velho pajé!
Se acaso ecoando
na mata sombria,
medonho se ouvia
o som do boré
dizendo: "Guerreiros,
ó vinde ligeiros,
que à guerra vos chama
feroz aimoré",
- assim respondia
o velho pajé,
brandindo o caralho,
batendo co'o pé:
- Mas neste trabalho,
dizei, minha gente,
quem é mais valente,
mais forte quem é?
Quem vibra o marzapo
com mais valentia?
Quem conas enfia
com tanta destreza?
Quem fura cabaços
com gentileza?"
E ao som das inúbias,
ao som do boré,
na taba ou na brenha,
deitado ou de pé,
no macho ou na fêmea,
fodia o pajé.
Se a inúbia soando
por vales e outeiros,
à deusa sagrada
chamava os guerreiros,
de noite ou de dia,
ninguém jamais via
o velho pajé,
que sempre fodia
na taba na brenha,
no macho ou na fêmea,
deitando ou de pé,
e o duro marzapo,
que sempre fodia,
qual rijo tacape
a nada cedia!
Vassouras terrível
dos cus indianos,
por anos e anos,
fodendo passou,
levando de rojo
donzelas e putas,
no seio das grutas
fodendo acabou!
E com sua morte
milhares de gretas
fazendo punhetas
saudosas deixou...
Feliz caralho meu, exulta, exulta!
Tu que aos conos fizeste guerra viva,
e nas guerras de amor criaste calos,
eleva a fronte altiva;
em triunfo sacode hoje os badalos;
alimpa esse bolor, lava essa cara,
que a Deusa dos amores,
já pródiga em favores
hoje novos triunfos te prepara,
graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!
Sus, caralho! Este elixir
ao combate hoje tem chama
e de novo ardor te inflama
para as campanhas do amor!
Não mais ficará à-toa,
nesta indolência tamanha,
criando teias de aranha,
cobrindo-te de bolor...
Este elixir milagroso,
o maior mimo na terra,
em uma só gota encerra
quinze dias de tesão...
Do macróbio centenário
ao esquecido mazarpo,
que já mole como um trapo,
nas pernas balança em vão,
dá tal força e valentia
que só com uma estocada
põe a porta escancarada
do mais rebelde cabaço,
e pode em cento de fêmeas
foder de fio a pavio,
sem nunca sentir cansaço...
Eu te adoro, água divina,
santo elixir da tesão,
eu te dou meu coração,
eu te entrego a minha porra!
Faze que ela, sempre tesa,
e em tesão sempre crescendo,
sem cessar viva fodendo,
até que fodendo morra!

BERNARDO GUIMARÃES (1825-1884)– Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, magistrado, jornalista, professor, romancista e poeta, nasceu em Ouro Preto, MG, em 15 de agosto de 1825, falecendo, na mesma Cidade, em 10 de março de 1884, sendo filho de Joaquim da Silva Guimarães e Constança Beatriz de Oliveira. Tendo sido indicado como o patrono da Cadeira n. 5 da Academia Brasileira de Letras, por escolha de Raimundo Correia, em 1896, portanto, doze anos após a sua morte. Tem-se como certa a sua participação, em 1842, na revolução liberal. Bernardo Guimarães, Álvares de Azevedo e Aureliano Lessa, fundaram (em 1845), com outros estudantes, a “Sociedade Epicuréia”, a que se atribuíram “coisas fantásticas”, que ganharam fama no meio paulistano. A capital paulista, na época, tinha uma população em torno de 15 mil pessoas. Com uma visão conservadora, os paulistas se escandalizavam com o comportamento dos estudantes, membros da mencionada sociedade secreta, em que os mesmos, alunos da Academia, chamavam-se uns aos outros pelos nomes de personagens do Lord Byron e tinham, como objetivo principal, colocar em prática as "extravagantes fantasias" do poeta inglês. Essa atitude era vista pelos conservadores como algo devasso, atentando contra a moral predominante na época. Já em 1847, aos 24 anos, matriculou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Nessa época, tornou-se amigo inseparável de Álvares de Azevedo e Aureliano Lessa. Antes da morte precoce de Álvares de Azevedo (1831-1852), os três amigos planejavam publicar um livro de versos, intitulado "AsTrês Liras". Esse sonho nunca foi realizado. Bacharelou-se, em 2ª. época, no começo de 1852. Nesse ano publicou Cantos da Solidão, obra de poesia. Na carreira jurídica exerceu o cargo de juiz municipal e de órfãos de Catalão, em Goiás, por duas vezes, em 1852-54 e 1861-64. Depois de passar 6 anos em Goiás, o escritor muda-se para o Rio de Janeiro e, entre 58 e 60, trabalha como jornalista e crítico literário no jornal Atualidade. Retornando a Goiás em 1861, novamente como juiz municipal de Catalão. Sendo um magistrado rigoroso, mas humano, tomou uma atitude que releva a sua personalidade: decretou a absolvição, libertando todas as pessoas presas da cidade, em virtude das péssimas instalações dos presídios em que ficavam recolhidos os presos. Esta ousadia lhe rendeu um processo promovido pelo presidente da província, sendo, ao final, absolvido da acusação que lhe foi dirigida. Fixou-se, a partir de 1866, em Ouro Preto, onde foi nomeado professor de retórica e poética no Liceu Mineiro. No entanto, a partir de 1869, Bernardo Guimarães já começava a se destacar como escritor de prosa de ficção, com a publicação de seu primeiro romance, O ermitão de Muquém. Três anos depois, publica duas de suas principais obras: O seminarista e O garimpeiro. Em 1873, foi nomeado professor de latim e francês em Queluz, atual Lafayette, MG. Também esta cadeira foi extinta. Mas foi com a primeira edição de A Escrava Isaura, em 1875, em meio à campanha abolicionista, que o escritor ganhou fama e popularidade em diversas partes do mundo, pois essa obra teve ampla aceitação em mais de 30 paises, seja em forma de livros, seja como novela. Dedicando-se inteiramente à literatura, escreveu ainda quatro romances e mais duas coletâneas de versos. A visita de Dom Pedro II a Minas Gerais, em 1881, deu motivo a que o Imperador prestasse expressiva homenagem a Bernardo Guimarães, a quem admirava. Aos 58 anos, precisamente em 10 de março de 1884, Bernardo Guimarães morreu em Ouro Preto, deixando inacabadas as obras: A história de Minas Gerais, encomendada pelo imperador D. Pedro II, em 1881, e o romance O bandido do Rio das Mortes.Na rede, a sua obra está reunida no sitio Vida e Obra de Bernardo Guimarães e no blog do sítio de Bernardo Guimaães. Veja mais Literatura Brasileira.

FONTES BIBOIOGRÁFICAS:
AMORA, Antonio Soares. O romantismo: a literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1976.
BANDEIRA, Manuel. Noções de história das literaturas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940.
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CANDIDO, Antonio. Iniciação à Literatura Brasileira. São Paulo: FFLCH/USP, 1999.
______. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/ Edusp, 1975.
______. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
______. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo: Neclosal, 1976.
CANDIDO, Antonio: CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira, vol. 1. São Paulo, Difel, 1968.
CARPEAUX, Otto Maria. Historia da literatura ocidental. Rio de Janeiro: Alhambra, 1980.
_________. Pequena bibliografia critica da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
CARVALHO, Ronald. Pequena história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: F. Briguet, 1955.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
D’ONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental: autores e obras fundamentais. São Paulo: Ática, 1990.
FERREIRA, Pinto. Historia da literatura brasileira. Caruaru: Fadica, 1981.
GUIMARÃES, Bernardo. Poesia erótica e satírica. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
HOLANDA, Sergio Buarque (Org). Antologia dos poetas brasileiros da fase colonial. São Paulo: Perspectiva, 1979.
LIMA, Alceu Amoroso. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro:Agir, 1956.
LITRENTO, Oliveiros. Apresentação da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Forense-Universitária/INL, 1978.
MARTINS, Wlson. A literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1967.
MOISÉS, Massaud, A Literatura Brasileira Através dos Textos. São Paulo: Cultrix, 2000.
______. História da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.
NICOLA, José de. Literatura Brasileira das origens aos Nossos Dias. São Paulo: Scipione,1994.
ROMERO, Silvio. Historia da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympioo/INL, 1980.
SODRÉ, Nelson Werneck. Historia da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasiléia, 1976.



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