terça-feira, maio 05, 2009

LEDO IVO

Imagem: Sinteco, de Luiz Fernando Rodrigues Leite.


AS IMAGINAÇÕES ERÓTICAS DE LEDO IVO

“(...)
- teu corpo impuro até aos vis corrompe
E só nos puros ele se abastece” (SONETO DE DORMITÓRIO)

“(...) nos trechos escuros de tua nudez
Eu capinava matos onde o amor se iniciava” (A MORTA)

BALADA DE ADEUS OU O AMOR EM MONTPARNASSE

Eu dormirei contigo em Montparnasse
Sob um céu belo, intacto e surpreendido:
Contigo dormirei embora passe
Este desejo de te amar demais
Que, de repente, sob o céu ferido,
Me vem preciso, louco, vão, fugaz.
Nosso encontro campestre, na distancia,
Não dispensa boninas, madrigais,
Para desgraça minha, o amor audaz
Faz com que me conquiste doce ânsia
E teu corpo estrangeiro se desfaça
Em musicas de abismos dissolventes.
Uma aragem marítima perpassa
Nos contrapontos de teus seios quentes.
Em Montparnasse, que faremos nós?
Teus adeuses não são mais de neblina
E não repousas mais no ultimo andar
Do edifício sem sombra de pudor.
Jamais, porem, nos ficaremos sós
Pois teu corpo escaldante de menino
Novos jogos de amor há de inventar
Em que o desejo se misture à dor.
Teus dedos matam pássaros que ficam
Depois mais vivos e então te dedicam
Intermináveis bailes sempre alados.
Ó rosa branca, ó flor sem virgindade,
Tremes ao vento sem peste no obscuro
Lugar de mil amores desprezados.
A claridade é treva, e esconde o escuro
Seios, cabelos, pernas, coxas, sexos
Dos que se possuírem sem amizade
E tiveram do amor tristes reflexos.
Corpo desnudo, como te ofereces!
És como um sino cujo toque fosse
Um convite de amor, um triste e doce
Convite à posse do que bem mereces.
Em Montparnasse, eu te farei amar
Como se fosse ao próprio amor que amasse
A tua carne viva em Montparnasse.
Em Montparnasse, eu te farei gritar”

FAZENDA DO AMOR CAMPESTRE

Deixaste a marca de teus pés na terra
Despertando os grãos
Que se esqueceram de germinar.
A unidade perdida dos campos
Te sepultava, te naufragava.
Ias para a fazenda
Porem caminhavas pela floresta.
O ar que respiravas era
Um oxigênio sem resistência ou pudor.
Confiavas a ti mesma
E caminhavas orgulhosa levando o campo.
Em teu corpo havia muitos países de amor
Alguns que só poderiam ser atingidos via nunca mais
Outros que a mão ruralmente alcançaria.
Foi quando – tu o esperavas, moça! –
Fui ao teu encontro e te derrubei
No mato que cheirava a paz e a morte.

SONETO DO POETA BRASILEITO

Não sou viril somente nas poesias.
Quero dormir contigo, pois teus pés
Amassavam pitangas e trazias
No corpo inteiro a marca das marés.
Disseste que comigo casarias
- amor na cama, beijos, cafunés.
Entre-sombras de carne oferecias
Tão navegáveis como os igarapés.
Minha morena até dizer que não,
O nosso amor demais me recordava
Duas lagoas onde me banhei.
Sou macho e brasileiro, coração:
Em teu olhar eu nu e forte estava
E foi assim, morena, que te amei.

PRAIA DO SOBRAL

Esperava que ela afastasse de mim os seios puros
E passeava com ela pela praia e a beijava
E enfeitava seus cabelos com uma flor.
Permanecia tranqüilo mesmo junto de sua carne
Pois no litoral Doralice era a flor esquiva
Que restaurava em mim o obscuro desequilíbrio.
Misteriosamente claros seus seios tentavam
Minha mão direita que a louvaria em verso
E minha mão esquerda frágil e inconsistente
Inútil quando não a acariciava.
Praia debruçada sobre o seu corpo,
O amor era a gratidão marítima
E as ondas obedeciam ao fremir de suas coxas.
Doralice era a utilidade que sob o sol
Ou sob a lua me afastava do céu.
Era o crepúsculo invasor de alguma manhã.
Sonhos caminhando, tardes naufragas, noites grandes,
Doralice era como a lagoa da terra em que nasci:
Me perturbava e me acendia.
Era a areia quente
Onde o sol de minha infância se nutria.
A noite vinha do sexo de Doralice
Para o litoral que era
Como um colchão onde se amava.
Depois Doralice vomitou a infância
E eu fiquei, menino, na praia sonhando.

A DAMA

Sempre te vejo, Dama Esportiva,
Inclinada para o espaço como uma torre
No gesto de uma partida de tênis.
Acompanhada de duzentas figurantes de opereta
Reconstituir o crime de um sono nostálgico
E a náusea das residências do noroeste.
Telegrafas para a eternidade
Com a fúria de tuas coxas.
Sempre te vejo e confesso
Que teu corpo de bailarina me aniquila
Teus braços me aprisionam
E tua boca me sorve.
És uma mistura de carne e de opera
Imóvel na tarde com os teus espelhos,
Tua geografia e teu porta-seios.
Flor que sempre viaja incógnita
Ou rosa verde que provoca suicídios em massa e desfalques
És uma calamidade pública.

ESMERALDA

O internato em que estavas
Voava contigo nas manhãs sem nuvens
Ficavas acima do farol
Azul e branco e saia de sino
Dominavas um azul que não existirá
E estudavas química.
Esmeralda, tormento e magia
Naquele tempo teu corpo germinava como um campo
E tua carne inventava novas formas
Que desfiguravam a ausência.
Eu desenhava na praia a curva de teu seio.
E continuavas voando, entre o farol e o mar,
Ballet de minha adolescência.

CANTIGA PARA A AMIGA FUTIL

Venho cantar tua pronuncia inglesa, digna de Oxford.
Teus múltiplos passeios.
Teu complexo de Elextra.
E venho te convidar para partir comigo
Na corveta de Euterpe,
Para o país sem nome e sem dia.
Andaremos de velocípedes nas nuvens
Faremos filhos por via aérea
E navegaremos na lagoa escaldante do mistério.
Venho te convidar ó perpetua senhora
Para a contemplação no espelho da Sala do Fim do Mundo.
Teus seios, outrora lunares, teu secreto charme,
Teu corpo mais eterno do que realmente é,
Teu exímio processo de amar.
Venho te convidar para o amor
No jardim-terraço da corveta Euterpe.
Com o teu corpo de fragata ou tua paixão, vem.
Sou menor que tudo.

ADRIANA E A POESIA

Adriana estava dormindo e um sonho se levantava de seu corpo
Neste momento faltou inspiração aos poetas porque todas as inspirações estavam em Adriana
As sereias tentaram em vão roubar os seus cabelos
Porem um anjo guardião não permitiu que ela fosse destituída de sua beleza durante o sono
Seus seios arfavam docemente como as rosas ao vento – todos vós sabeis que os seios de Adriana não morrem
Uma sonata celebre fugiu de um concerto com um suspiro de Adriana
Desembargadores tiraram o chapéu porque pensaram em Adriana dormindo
Ela repousava e então caixas de música enlouqueceram inexplicavelmente
E as amadas dos poetas se cobriram misteriosamente de neblina
Temporais desapareceram e naus antigas fugiram de velhos livros de historias infantis e acordaram nos portos sonhados
Um trapezista julgou ver Adriana com os braços abertos tentando-o no ar e precipitou-se irreparavelmente no vazio
Incontáveis elegias descobriram-na dormindo
O Presidente da Republica decretou feriado porque Adriana estava dormindo
Sendo revogadas as disposições em contrário
Berceuses partiram em maravilhosos crepúsculos
Países em guerra concordaram em tréguas indeterminadas
Para que as batalhas não perturbasse o sono de Adriana
Que algum tempo depois despertou docemente e descobriu não estar como antes do descanso
Pois Cristo havia desapropriado sua grande poesia
Para que ela pertencesse a todos os homens e a todos os mágicos.

LEDO IVO – O poeta, jornalista, escritor e ensaísta alagoano Ledo Ivo, foi e leito em 13 de novembro de 1986 para a Cadeira n. 10, sucedendo a Orígenes Lessa, foi recebido em 7 de abril de 1987, pelo acadêmico Dom Marcos Barbosa. Ele estreou na literatura em 1944, com o livro de poesias As imaginações. No ano seguinte, publicou Ode e elegia, distinguido com o Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, o primeiro de uma série de prêmios que Lêdo Ivo irá obter, nos anos subseqüentes, com a publicação de obras de poesia, romance, conto, crônica e ensaio. Lêdo Ivo é uma das figuras de maior destaque na moderna literatura brasileira, notadamente na poesia. Seu romance Ninho de cobras (1973) foi traduzido para o inglês, sob o título Snakes’ Nest, e em dinamarquês, sob o título Slangeboet. Obras: As imaginações, poesia (1944); Ode e elegia, poesia (1945); As alianças, romance (1947); Acontecimento do soneto, poesia (1948); O caminho sem aventura, romance (1948); Ode ao crepúsculo, poesia (1948); Cântico, poesia (1949); Linguagem, poesia (1951); Lição de Mário de Andrade, ensaio (1951); Ode equatorial, poesia (1951); Um brasileiro em Paris e O rei da Europa, poesia (1955); O preto no branco, ensaio (1955): A cidade e os dias, crônicas (1957); Magias (contendo: Os amantes sonoros), poesia (1960); O girassol às avessas, ensaio (1960); Use a passagem subterrânea, contos (1961); Paraísos de papel, ensaio (1961); Uma lira dos vinte anos, reunião de obras poéticas anteriores (1962); Ladrão de flor, ensaio (1963); O universo poético de Raul Pompéia, ensaio (1963); O sobrinho do general, romance (1964); Estação central, poesia (1964); Poesia observada, ensaios (1967); Finisterra, poesia (1972); Modernismo e modernidade, ensaio (1972); Ninho de cobras, romance (1973); O sinal semafórico, reunião de sua obra poética, desde As imaginações até Estação central (1974); Teoria e celebração, ensaio (1976); Alagoas, ensaio (1976); Confissões de um poeta, autobiografia (1979); O soldado raso, poesia (1980); A ética da aventura, ensaio (1982) A noite misteriosa, poesia (1982); A morte do Brasil, romance (1984); Calabar, poesia (1985); Mar oceano, poesia (1987); Crepúsculo civil, poesia (1990); O aluno relapso, autobiografia (1991); A república das desilusões, ensaios (1995); Curral de peixe, poesia (1995).

FONTES:
IVO, Ledo. As imaginações. Rio de Janeiro: Pongetti, 1944.
____. Poesia completa (1940-2004).Rio de Janeiro: Topbooks, 2004.

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