sexta-feira, agosto 08, 2008

CRÔNICA DE AMOR POR ELA



Imagem: Nude, 1936, do fotógrafo norte-americano Edward Weston (1886-1958).

PROFANAÇÃO
(Ou: o gosto perene da primeira vez)

Luiz Alberto Machado

Prólogo: descortinando os mistérios – a revelação.
(Qualquer coisa a haver com o paraíso, Mílton Nascimento & Flávio Venturini, Ângelus).

À hora do Ângelus, ela espera. Ungida e provocante no trâmite das horas. Emborcada de Mandel: a nudez do corpo esguio à meia luz (Isso: lenço na cabeça, terço entre os lábios, crucifixo nas mãos). A espera na noite: uma alma desnuda no oratório.

Apenas duas velas num castiçal e uma esperança fincada alumiando a pele acetinada que aguça o meu desejo de ontens. (Formoso perfil de Vasti – lindeza de Leonor Watling na cena de Almodóvar. Fervorosa fé de Rute, orações exaltadas de Ester: o olhar na crença e mãos sobre a Bíblia). Resignadas orações: escapulário e hozanas imaculadas lavando culpas, dores e passado.

Não se dá conta na réstia da obscenidade do meu beijo ateu: a profanação de véspera, partícipe do ritual. Ela contrita, resignada; eu, danação. Atração de opostos, conflitos redundam. Mas convergem, porque de mim: bem-aventurado o que goza porque dele é o reino parais(s)o.

Estribilho: a hóstia & comunhão – a carne do sal da terra.
(Um anjo, Egberto Gismoti, Zig Zag)

Flagro o instante e a pele acetinada aguça o desejo de ontens: tudo candura dela e perversidade de mim (seu sangue, meu vinho). E o meu olhar insolente na aura destrancada: um anjo caído.

Meu corpo e a salvação pro que é, foi e será: um feito deus sem criação, sem éden, sem nada. Misérias de ser encanto de mulher.

Pela angelical candura sou atraído até me perder nas linhas da palma de sua mão (um convite ao turbilhão atávico de suas reencarnações).

Nela, juro que me perco a bel prazer. E numa tentação advena alcançando seus dedos, um carinho na graça manual.

Tomo seu pulso e logo seus braços, seios, ombros, faces, tudo é magia pura como irrevelável segredo desvelado.

E vou me perder mais ao roçar-lhe a boca com o anular: respiração e espasmos. Rezas, suspiros e pálpebras cerradas. (Revirando os olhos, mordendo os lábios, lambendo meu dedo).

E mais me perdendo me encontro com sua voz sussurrada a tomar meu nome ofegante de rei adorado. Manhosa de sangue quente no bico da chaleira fervendo. Dengosa revel aos caprichos das minhas investidas certeiras.

E faz de conta que alheia num truque sagaz quando cheiro seus cabelos em desalinho nos olhos – grandes olhos inocentes e fugazes - até o pescoço num beijo que lambe o ombro e dá na mandíbula pra expirar devagar por trás das orelhas, até sentir-lhe a pele eriçada no seu corpo clareira e eu ébrio com o aroma exalado.

E se contorce serpente irresistível e desfalece se esfregando ao meu toque. E se submete e subjugo: nossa liturgia profana.

E envolvo a cintura até os seios de mil ternuras e cravo-lhe os dentes na carne, encosto o meu membro ativo ao que rebola com ar de menina dengosa, ah, minha doce pessoínha exalando uma aura de zis infâncias da adulteza alada.

Fica minha e inteira e toda e de suas costas imantadas emerge de bruços toda eletricidade atrativa do convite irrecusável: o cálice do paraíso no gozo da carne, a glória da vida eterna que equivale a se afogar no redemoinho de nossas mais indecentes poses íntimas.

Refrão: a marca aguda na memória da pele
(Naávu Javassarê, Edson Natale & Carmina Juarez, Lavoro).

Ah, ela nua é linda, um anjo destamaínho: no meu tope. A pele e o desejo.

Iluminou-se de mim agarrada às cortinas do templo irreal.

Sabia: meu café da manhã, almoço e janta. Era ela. (A cruz entre os dentes na vulva. A saliva reluz meu cetro como hóstia dessacralizada).

Ah, minha estóica de peitinhos miúdos, franzina e sedutora, safada e minha, me aproprio de seu corpo louvando todas as suas maravilhas: não existem asas nos flancos, só o hálito de sangue, sexo e prazer. (A beleza que vem de dentro).

E eis que suspira esfolada com voz rouca safada, se derretendo inebriante sob o seu garanhão puro-sangue - a pressão do meu membro contra a sua pele translúcida de válvula aberta, fantasias delirantes no delta inexplorado. (O lenço à boca para sufocar suspiros maiores às alturas de um forno que não há como escapar).

Apóio-me em seu dorso para salpicar sua fonte de areia movediça. E se acende o gozo que se faz luz no meu prazer. Só noite e gemidos – o bramir das ondas da tesão.

Epílogo: a glória altissonante na satisfação do amor
(Romance de Minervina, romance nordestino procedente do séc. XIX, recriado por Antonio José Madureira para Orquestra Armorial, Do Romance ao Galope Nordestino)

Descalça e nua, faz de mim seu refúgio: carinha de anjo e olhos nas estrelas, aquele molho de prazer.

Ri como quem habita o céu depois do batismo, crisma e beatificação – riso de sol no mar -, depois dos gemidos e salmos. Depois do gozo na noite interminável.

Resta espremida exausta quase encolhida nos meus braços: apascentada fera que cavalgou delícias franziu semblante e se esgoelou inteira a se deleitar com as minhas investidas pelos terraços, salas e oitões.

E pendendo sobre mim no impulso do afeto, vou retesado arrimo e aprumo. Nada dito: só o flagra do triunfo. E exulta meu nome cantando louvores. E eu feliz e grato, retomo o repasto. Um gozo renovado.

Revolvidas entranhas e trevas da noite, chega a se aninhar até dormir em mim com todas as bênçãos e misericórdias para todos os sacrifícios. (Para a felicidade, todo prazer é doloroso). E, de mão beijada, se espalha toda sob o bombardeio das carícias a dar conta de tudo que é vida entre nós. E em paz deita como num repouso seguro, agora e para sempre dentro de mim, amem.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

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