segunda-feira, agosto 18, 2008
ASCENSO FERREIRA
Imagem: ilustração Maria Carmen.
A POÉTICA ERÓTICA DE ASCENSO FERREIRA
MULATA SARARÁ
O cajueiro te deu a flor para cabelo;
Deu-te o maracajá o agateado dos olhos
- teus olhos cujo olhar faz a gente dodói!
No Brasil, quem te nega está fazendo fita,
Pois tu és, na verdade, uma coisa bonita:
- Madeira que o cupim não rói!
- Madeira que o cupim não rói!
Paris – que dá modas,
Costumes e gostos,
Pinturas pros rostos,
Carvão e carmim....
Paris – dente de ouro!
- Boca de tubarão!
- Goela de sucuri!
Que engole odaliscas
Rajás e sultanas,
As gueixas, muamês,
Os beis e os paxás...
- E engoliu até a negra Josefina Baker!
Paris, contigo, topou foi osso!
Foi rocha esquisita que nada destrói!
Nosso Senhor abençoe teus avós de Lisboa....
- Madeira que cupim não rói!
- Madeiras que cupim não rói!
PREDESTINAÇÃO
- Entra pra dentro, Chiquinha!
Entra pra dentro, Chiquinha!
No caminho que você vai
Você acaba prostituta!!!
E ela:
- Deus te ouça, minha mãe...
Deus te ouça...
PERFUME
Veio de ti
Cheio destas forças misteriosas
Ante as quais toda a razão se esmaga
Para ficarem somente loucuras...
Ânsias...
Inquietações...
Veio de ti, cheio destas coisas profundamente estranhas
Que só tu guardas no mundo!
Estes teus êxtases!
Este teu langor...
- desespero dos meus sentidos,
causa das minhas melancolias,
das minhas revoltas, das minhas paixões!
Veio de ti, porém te trouxe apenas como sombra
Que meus dedos tentam segurar em vão.
No entanto, lá fora, tudo sorri
E as estrelas se multiplicam,
Ensinando que a vida pertence aos vivos
E nasce do amor.
TRANSFIGURAÇÃO
Oh! A delicia nunca sentida
De tua mão toda carinhos e agrados,
Mergulhando sutil nos meus cabelos desordenados
Num gesto mudo de consolação!
E a delicia destes teus olhos miraculosos,
Sossegados como um remanso,
Incentivando para o descanso
O meu pobre ser cansado...
Susta-se a vida das coisas
Como uma sincope dos corações.
ÊXTASE
Emana do teu ser uma tão grande calma,
Um langor tão suave, expressivo, profundo,
Que tenho a sensação virgem de que minha´alma,
Desgarrada de mim, anda solta no mundo.
SALOMÉ
Quando pus os meus olhos nos seus olhos
Eu senti n´alma como que deslumbramentos...
Senti a sensação de todas as belezas
E a beleza de todos os sentimentos...
E minha´alma clareou-se em todos os seus refolhos
Iluminada por estranhos lumes:
- Luzes de vagalumes,
- Luzes de estrelas multicores nunca vistas,
somente percebíveis aos olhos
dos artistas...
e ela era bela como um Pássaro Encantado;
e ela era bela como a Estrela da Manhã;
bela como a Salomé de Yocanaan;
bela como dos cisnes o noivado...
e eu senti sua beleza
sua beleza que tem paroxismos
sua beleza que tem abismos
sua beleza que possui algo de cataclismos,
como as belezas dos infernos oriundas
porém, que é calma como as Águas Profundas
em represa.
E o seu corpo ondulava lentamente
Como um corpo de serpente.
E nos seus olhos cujo olhar feria como um açoite,
Nos seus olhos maiúsculos
Havia sombras misteriosas de noite
E tons arroxeados de crepúsculos...
E entre nuvens e gaze, suavemente
Surgindo, sua láctea espádua nua
Lembrava a face macilenta da lua
Semi-oculta nas dobras do nascente...
Porem sua boa
Cheia de volúpia louca
A sua boca sanguinolenta,
Como que de estranhas sensações sedentas
A sua boca infernal
A sua boa anormal
A sua boca cujo traço eu não n´o traço
A sua boca de palhaço
A sua boca que nem sei com que parece
Parecia rezar alucinada prece
Um vago padre-nosso terno e brando...
Uma oração estranha e nunca vista:
- A oração de Salomé rezando
pela alma delicada de Batista...
e dizer que vendo-a assim,
como que a rezar oração pagã,
essa reza sem fé,
pensei: quem dera eu fosse o seu Yocanaan
e que rezasses por mim
Salomé.... Salomé...
ASCENSO FERREIRA – O poeta pernambucano Ascenso Ferreira (1895-1965), foi um dos proeminentes nome do Modernismo brasileiro, tomando rumos novos e achou um caminho que o conduziria a uma situação de relevo nas letras pernambucanas e nacionais. Voltou-se para os temas regionais de sua terra que foram reunidos em seus livros "Catimbó" (1927), "Cana caiana" (1939), "Poemas 1922-1951" (1951), "Poemas 1922-1953" (1953), "Catimbó e outros poemas" (1963), "Poemas" (1981) e "Eu voltarei ao sol da primavera" (1985). Foram publicados postumamente, em 1986, "O Maracatu", "Presépios e Pastoris" e "O Bumba-Meu-Boi: Ensaios Folclóricos".Distingue-se não pela quantidade, mas pela qualidade, atingindo não raro efeitos novos, originais, imprevistos, em matéria de humorismo e sátira.
FONTE:
FERREIRA, Ascenso. Poemas. Recife: Nordestal, 1981.
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