segunda-feira, março 24, 2008

LYA LUFT



Imagem: La Fornarina, ca. 1516 (Galleria Nazionale di Arte Antica, Rome, Italy) do pintor da alta renascença italiana Raffaello Sanzio (1483-1520).

A EROPOÉTICA ANÍMICA DE LYA LUFT

“(...) O amor é salto sem rede entre a razão e a magia". (E só assim vale a pena)” (Trapezista)

Derrama sobre mim tua esperança de homem, tanto tempo contida: planta em meu solo a árvore da renovação, mais alta do que a noite escura. Larga a solidão, apaga a desesperança, inventa um novo reino onde as águas não são naufrágio, nem o amor desengano. Vem para esta enseada, onde há ventania e risco, mas podes ancorar teu coração depois da longa procura, para que ele pouse e pulse e brilhe como a estrela-do-mar em seu fundo de oceano” (Dádiva).

Quando pareço ausente, não creias: hora a hora meu amor agarra-se aos teus braços, hora a hora meu desejo revolve teus escombros, e escorrem dos meus olhos mais promessas. Não acredites nesse breve sono; não dês valor maior ao meu silêncio; e se leres recados numa folha branca, não creias também: é preciso encostar teus lábios nos meus lábios para ouvir. Nem acredites se pensas que te falo: palavras são meu jeito mais secreto de calar” (Meu jeito).

“(...) Um amor precisa espaço de voar, liberdade para querer ficar, alegria, e algum desassossego contra o tédio” (Receita de casa).

Vem me fazer inteira. Vem mudar a criança que fui em feiticeira sem medo de morrer por suas crenças. Vem fazer, da minha fraqueza, força para enfrentar os meus fantasmas, e sepultar nessa fogueira os teus. Vem de transformar em mais do que hoje sou: mais forte e mais serena, mais confiante e mais dura – mas também doce quando precisares. Vem fazer de mim algo maior que eu”. (Convite).

Cavala de flancos intensos, patas rebeldes, sem dono nem domação, rebentando espumas nesse galope, namora mais do que o amor, a sorte. Uma cavala dourada e sensual com crinas de leite, talvez centaura: carrega um nome então, um pensamento, uma audácia e uma ausência. Leve a memória, como cicatriz, de um beijo no pescoço, a espreita e a espera: a desabalada cavala na sua danação e sua glória” (Domação).

Acolhe-me em teu abraço, com teu olhar me afirma: aquele espaço a teu lado é o porto da minha viagem, meu lado de rio, minha margem. Abriga-me no teu corpo para que o meu se descobre em onda d mar ou concha. Aceita-me e me recria como nem eu me conheço: em ti parece que chego como uma coisa concreta, algo que avança e se adianta, e só assim se desdobra pois antes era miragem. Recebe-me em duas partes: aquela que o mundo avista, e a outra, a verdadeira, chão da tua sombra que passa, e da tua luz que se planta” (Tua dádiva).

Como fontes que de noite brandamente boca a boca trocam seus segredos dágua, tocam-se os amantes, no afago da lúcida paixão secreta dessas águas. Assim, bocas sequiosas, os que estão apartados deixam que brotem, fundam-se, retornem, os seus recados de amor como num lago” (O silêncio dos amantes).

Nós nos amaremos docemente, nesta luz, neste encanto, neste medo: nós nos amaremos livremente no dia marcado pelos deuses. Nós nos amaremos com verdade porque estas almas já se conheciam: nós nos amaremos para sempre além da concreta realidade. Nós nos amaremos lindamente, nós nos amaremos como poucos, nós nos amaremos no teu tempo” (Canção da estrela murmurante).

Guardei-me para ti como um segredo que eu mesma não desvendei: há notas na minha viola que não toquei, há praias na minha vida que não andei. É preciso que tomes além do riso e do olhar naquilo que não conheço e adivinhei; é preciso que me cantes a canção do que serei e me cries com teu gesto que nem sonhei” (Canção da vez primeira).

Que mão se enfia entre minhas raízes, que paixão me esventra o coração? Abro caminho na liberdade de uma folha, e escrevo lentamente a palavra secreta. E ela, preguiçosamente, abre-me os braços esquiva donzela ou feito palhaço. Uma palavra apenas, no mistério maior de uma página intacta, ou no emaranhado dos traços?: o nome que não posso pronunciar sem medo, enquanto invento outros, que resumem a verdade da vida na mentira que assino” (Canção da palavra secreta).

FONTES:
LUFT, Lya. Para não dizer adeus. Rio de Janeiro: Record, 2005.
_____. Secreta mirada e outros poemas. Rio de Janeiro: Record, 2005.

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