terça-feira, dezembro 18, 2007
Imagem: Nua, acrílico sobre tela 50x70 cm, do artista plástico paranaense João Werner.
O TANGO NOTURNO MOLHANDO O DESEJO
E foi por ter justamente amado
Que acalentei a dor e a solidão
E renasci eternamente menino.
Luiz Alberto Machado
Ah, a presença feminina sempre me fascinou, perseguindo as minhas mínimas horas. Havia sempre uma presença desejada de mulher, o jeito menina, a artimanha de moça, o mistério de grandeza anatômica e anímica. Eu me desconcertava com isso, buscando jacea, aquele brilho eterno de equilíbrio interior e satisfação carnal. Se não conseguia raciocinar, me desarrumava arrumando por dentro qualquer forma para delinear a vida desencontrada. E era vez em quando que me pegava sonhando a mencionar-lhe o velacho, sussurrando na minha loucura frustrada em busca de malacias para demover os fragmentos que insistia se despedaçar de mim. E mais me desarrumava o tino com imagens loucas e sedentas de quem alcançava o paralogismo de ser feliz a qualquer custo, com uma bela e linda e nua mulher que seria a minha Calipedia, a Valéria Monteiro da minha estimação, o meu caminho do gol, a minha Juliete Binoche depravada, a minha bela pinups que me encaminharia a um orgasmo de 244 milivolts de descarga na erupção final do meu vulcão e o prazer de curtir naquele momento o meu devaneio mais completo e de olhos abertos, enlouquecido e com o amor sendo a minha camisa de força.
Era uma quimera linda de morrer onde eu a seguia caminhando na noite estrelada pelas luzes da cidade em polvorosa com seus semáforos de seguir e ficar, os seus edifícios acasalando alegrias e dores e um bandoneón solando ao meu ouvido, acompanhado de um violino em tons pungentes, os faróis encandeando, os passos dela se movendo com uma firula nas pernas, dançando no meu palco imaginário, serpenteada com várias polegadas de salto.
Eu me deleitava com aquela figura etérea e demoníaca que mirabolante vestia-se em um daqueles tubinhos que menos cobrem o que mais enaltece na figura de uma mulher: vermelho de alcinha combinando com o batom dos lábios rubros e o sapato salto agulha, hipnotizando, fetichista. E passava uma das pernas à minha cintura, arqueava-se sentando de costas no meu ventre, sobre as minhas coxas, no meu colo, respirando rente o meu rosto e insuflando o seu perfume, o seu hálito, a sua vitalidade, era muito real para ser mais uma mentira capturada. E rodopiava real no tablado do meu coração, abrindo uma das pernas que vinha arrastando o bico do sapato até encontrar a minha intimidade, a dar volteios e cobrando envolver sua cintura.
Ah, eu não sabia dançar, nunca soube, ela roçando o pé entre as minhas coxas, meu desejo insone, o calcanhar enovelando-me entre o ventre, uma sentada, um gancho duplo, a parada, o volteio e o arremate: um só corpo de quatro pernas, um jogo sedutor me dando o prazer de curtir o seu ar sensual.
A sua mão esquerda sobre o meu ombro. A outra, segurando com graça a minha mão num solo de Piazzola por testemunha e eu protagonizando a cena, o corpo contorcido, o pé direito até o joelho abrindo-se o vestido vermelho-negro a mostrar-lhe sutilmente as intimidades, corpo belo, solto, um cello, um piano, um violão, um violino, um bandoneón, e eu afungentando a solidão, a ponte enquanto a pele, ah, ela dançava frente o espelho, deitava-se sobre uma mesa e, num ímpeto abracei suas pernas longe do barulho da humanidade até que num golpe extremo uma de suas pernas passou-me o ombro, o ventre colado no meu, quase em pé, mostrando a entrega mais inteira de uma alma e de uma vida a descortinar-me o elo perdido.
Deitei-me sobre o seu corpo, levantei-lhe a saia e a minha língua como uma drosófila sobre seu púbis, a minha prenda, estimação preferida, dando um ar de êxito à nossa química. O zíper do seu vestido escorrendo, minha vista só flagrava o seu arabesque, os fouettés, pas-de-deux, o corpo de baile exclusivo para mim, a coreografia única do desejo: a pele cobre oliváceo das paquistanesas, a própria efígie do pecado, oh, minha Ana Botafogo! Aquela leveza, o aprumo, o flair, aquele maleável jeito de catwalks driblando meu fuso horário de forma espetacular, oh, sex simbol da minha fantasia.
Era tudo real e eu nem discernia de nada. Tivera a oportunidade e dela fazia questão de me jogar de cabeça, afogando voluntário. E se me entorpeci dormi menino feliz nos sonhos mais angelicais que pudera ser a mim concedido.
Ah, mulher, eu jamais poderia ser feliz sem essa presença onímoda, oh minha cajila desejável que redimiria o meu abandono e traria luz ao obscuro destino tresloucado da minha estabanada existência.
Oh, minha panacéia escondida no mais remoto dos dédalos incognoscíveis, se eu tivera algo de mim fora roubado por sua querência inaudita.
Somente ela com um estalido forte a roubar o devaneio, aquela deliciosa mulher, aquela Perséfone que aprontara comigo e me fazia presa fácil a quem sempre errara de amar.
Era a minha insanidade mental queimando sedenta a rever-lhe onírica vestida agora numa colorida indumentária como uma dançarina tailandesa, uma coroa prateada na cabeça, uma vestimenta de renda bordada nos ombros, uma saia curtinha de diversas cores, a saborear de um licor de jenipapo. Meu membro endoidecia e ardia meu desejo a ter-lhe no casting das beldades, transgredindo minha lucidez e à serviço da sedução. E causava em mim um frisson aquela saia 40 centímetros acima do joelho e eu na maior azaração. Fazia dela presença e imaginação: um corpo escultural de Rodin. Um heliponto onde eu queria aterrissar nesse corpo com a sede de séculos. Eu seu lobo mau, minha granada matreira germinando como se estivéssemos num chalé distante e abandonado, curtindo um fundue regado a vinho do Porto. Seduzia-me mesmo e com aquele lance quando se descruzava as pernas eu incendiava buscando a sua mina de ouro que eu queria demais explorar, e como queria, se não houvesse uma distância cislunar entre nós.
Não, eu não me desvencilhava da perspectiva e afinava a luz com o meu desvario de Carlos Saura a flagrar-lhe as mais indecentes poses. Eu abusava dos closes, explorava sua gesticulação e armazenava na tv imaginária do meu cérebro: o meu sexo atravessando a sua carne e os sussurros aos beijos chupados de todos os desejos catados no gozo de nossa agonia amorante. Se enlouquecia? Delirava. É sempre muito aprazível a presença delicada de um corpo nu de mulher.
© Luiz Alberto Machado. Direitos Reservados.
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