terça-feira, abril 21, 2009
DECAMERON DE BOCCACCIO
Imagem: poster do filme “Decameron” de Pier Paolo Pasolini.
A QUARTA NOVELA DE PAMPINÉIA – PRIMEIRA JORNADA DO DECAMERÃO DE BOCCACCIO
Um monge, que caira em pecado merecedor de punição muito severa, escapa dessa pena repreeendendo seu abade, uma culpa semelhante.
(...) Em Lunigiana, povoado não muito distante deste, existiu um mosteiro que fora, em outros tempos, mais rico, tanto em santidade quanto em monge, do que o é hoje. Havua neste mosteiro, entre outros, um monge ainda jovem, cujo vigor nem a aspereza do clima, nem os jejuns, nem as vigilias conseguiam abater. Certa vez, por volta do meio dia, quando estavam todos os demais monges dormindo a sesta, o jovem monge, por um simples acaso, saiu a passear, sozinho, pelas cercanias de sua igreja. O tempo estava localizado em local muito solitário.
Aconteceu que o monge viu uma jovem lindissima, filha, talvez, de algum dos lavradores da região. A jovem estava apanhando algumas ervas pelos campos. Assim que o monge a viu sentiu-se logo acometido pela concupiscência carnal. Por esta razão, acercou-se mais da jovem. Travou conversa com ela. E tanto saltou de uma palavvra a outra, que terminou por firmar um acordo com ela. Por esse acordo firmado, levou-a à sua cela, sem que ninguém o percebesse. Instigado por um desejo excessivo, brincou com ela mas de um modo, porem, menos cauteloso do que seria conveniente.
Sucedeu que o abade do mosteiro, onde dormira, e passando sem fazer ruido, em frente à sala do tal monge, escutou a barulheira que ele e a moça faziam, juntos lá dentro.
(...) Apesar de ocupado com a jovem, e ainda que disso gozasse enorme prazer, o monge não deixou de desconfiar de algo; a certa altura, tivera a impressão de ouvir um arrastar de pés, pela ala dos quatos de dormir. (...) Conhecendo o monge que, por esta razão, seria punido com grave castyigo, mostrou-se profundamente aborrecido. (...) Depois, fingindo já ter ficado o suficiente em companhia da jovem, disse-lhe:
- Quero achar uma maneira de você sair daqui de dentro sem que a vejam; assim sendo, fique aqui mesmo, calmamente, até que eu regresse.
Deixou a cela. Trancou-lhe a porta com a chave. E encaminhou-se diretamente para a cela do abade. Dando-lhe a chave, conforme a tradição a que todo monge obedecia, quando se ausentava do mosteiro, disse, com expressão tranquila e amiga:
- Senho abade, não pude, esta manhã, ordenar que trouxessem ao mosteiro toda a lenha que pude arranjar; por esta razão, com sua permissão, desejo ir ao bosque, para mandar que a tragam.
O abade, desejando informa-se por completo com relação à falta praticada pelo monge, ficou satisfeito com o seu modo de agir. Contente, recebeu a chave, e deu ao monge permissão para ir ao bosque.
(...) Bastou o monge retirar-se, e o abade procurou resolver o que seria mais certo fazer (...) Cogitando, entretanto, que a jovem podia muito bem ser esposa ou filha de algum homem que ele não gostaria de fazer passar por essa vergonham, decidiu que o melhor seria tratar, primeiramente, de saber quem era aquela moça, para depois resolvetr o que faria. Silenciosamente, dirigiu-se para a cela do monge; abriu-lhe a pota, entrou/ e outra vez fechou-a por dentro, naturalmente. Vendo entrar o abade, a moça ficou desconcertada. Cheia de vergonha e de medo, pôs-se a chorar. O senhor abade olhou-a por muito tempo; vendo=a tão bela e sensual, sentiu inesperadamente, aidna que um tanto idoso, os apelos da carne. Eram apeklos não menos ardentes do que aqueles que sentira o jovem monge. E a si mesmo começou a dizer:
- Enfim, que razão há para que eu deixe de desfrutar um prazer, quando posso desfrutá-lo, se, por outro lado, os aborrecimentos e os tédios estão sempre preparados para que eu os prove, queira ou não? Ai está uma bela moça; está nesta cela, se que nenhuma pessoa, no mundo, saiba disso. Se posso fazer com que me proporcione os prazeres pelos quais anseio, não existe nenhuma razão para que eu não a induza. Quem é que virá a saber disto? Ninguem, nunca o saberá! Pecado oculto é pecado meio perdoado. Um acaso destes quiçá jamais venha a se verificar de novo. Julgo ser conduta acertada colher o bem que Deus Nosso Senhor nos envia.
Assim refletindo, e tendo modificado inteiramente o proposito pelo qual fora até ali, acercou-se mais da moça. Com voz melíflua, pôs-se a confortá-la e a pedir, com instancia, que não chorasse. Palavra puxa palabvra, até que ele chegou ao ponto de poder evidenciar à moça o seu desejo. A jovem, que não era construida de ferro nem de diamente, atendeu, muito comoda e amavelmente aos prazeres do abade. O padre abraçou-a; beijou-a muitas vezes, seguidamente; atirou-se com ela na cama do monge. (...) o abade não se pôs sobre o peito da moça, antes colocou-a sobre o seu próprio peito. E durante muito tempo, entreteve-se com ela.
O monge, que havia fingido ir ao bosque, mas que, na verdade, esconde4ra-se na ala dos dormitórios, viu quando o abade entre em sua cela.
(...) Quando pareceu ao abade que já se demorara o bastante em companhia da jovem, deixou-a trancada na cela, e retornou ao seu quatro. Passado algum tempo, ouvindo que o monge chegava, e pensando que ele regressasse do bosque, decidiu censirá-lo e mandar que o prendessem no cárcere. (...) O monge, sem nenhuma hesitação, retrucou:
- Senhor abade, não estou, ainda, há pouco tempo bastante na Ordem de São bento para conhecer todas as singularidades de sua disciplina. O senhor não me mostrara ainda que os monges precisam fazer-se mortificar pelas mulheres, assim como devem faze-lo com jejuns e vigilias; agora, contudo, que o senhor acaba de mo demonstrar, prometo-lhe, se me conceder o perdão por esta vez, que nunca mais pecarei por esta forma; ao contrário, procederei sempre como vi o senhor fazer.
O abade, como homem astuto que era, reconheceu logo que o monge não só conseguira saber a seu respeito muiti além do que o suposto, mas ainda ver quanto ele fizera. Por esta ra~zoa, o abade sentiu remorsos pela sua propria culpa; e ficou vexado de aplicar ao monge o castigo que ele, tanto quanto o seu subordinado, merecera. Deu-lhe o perdão, mas impos-lhe silencio, sobre quanto vira. Depois, levaram ambos a moça para fora do mosteiro; e, depois, como é facil presumir, inumeras vezes a fizeram retornar ali.
BOCCACCIO – O Decamerão, numa tradução de Torrieri Guimarães, foi escrito em 1350 pelo escritor italiano que nasceu em Paris, Giovani Boccaccio (1313-1375), uma obra em prosa que relata em dez histórias curtas, contadas por sete moças e três rapazes que se refugiam no campo para escapar da peste negra, os conflitos entre os valores cristãos e o espírito libertino da época, questões ligada à transição para o Renascimento. O “Decameron” é composto por cem histórias que abrangem as mais peculiares paixões e comportamentos humanos, e mantêm em viva presença, os clamores da carne, a infidelidade e as trapaças sexuais A obra tem a propriedade de revelar em cada conto que o proibido e o pecaminoso vigiados pelas autoridades no final da Idade Média, concretizavam-se em práticas habituais no dia-a-dia das pessoas comuns, do clero e da nobreza. Na obra, conforme dito anteriormente, há dez personagens principais que, para fugir da peste, refugiaram-se em um castelo, onde nada havia a fazer. Teriam que passar ali muito tempo, até que o ambiente externo voltasse à salubridade. Para ocupar-se, cada um dos personagens contou uma história em cada um dos dez dias. Essa obra, apesar der ter sido escrita há mais de seiscentos anos, ainda pode ser lida como enorme prazer. Por isso, tornou-se um clássico da prosa ocidental e um dos maiores livros eróticos de todos os tempos.
FONTE:
BOCCACCIO, Giovani. Decamerão. São Paulo: Abril, 1979.
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