segunda-feira, julho 21, 2008

OVIDIO



Imagem: Salomé, 1906 do pintor e escultor do Simbolismo/Expressionismo alemão Franz von Stuck [1863-1928].

OS AMORES DE OVÍDIO

Todos os sonhos meus.
E ela, triste mulher, ela tão bela,
Dos seus anos na flor,
Porque havia de sangrar pelos meus sonhos
Um suspiro de amor?
Um beijo – Um beijo só! eu não podia
Senão um beijo seu
E nas horas do amor e do silêncio
Juntá-la ao meu peito!
(...) Ela conhece as artes mágicas e os feitiços de Ea
e habilmente faz recuar as águas à sua fonte;
sabe bem que erva, que fitas reunidas com seu torto fuso,
que esperma das éguas no cio é eficaz.
(...)
Eis, o que este teu poeta dá além de novos versos?
Receberás muitos mil do amante.
O próprio deus dos poetas, belo em seu manto áureo,
toca o sonoro fio da lira dourada.
Que aquele que te presenteia seja para ti maior do que o grande Homero;
acredita em mim, presentear é coisa espirituosa.
Não desdenhes se houver alguém salvando sua cabeça com um preço;
o crime do pé engessado é sem valor.
E que nem as velhas imagens de cera ao redor dos átrios te iludam:
carrega contigo os teus avôs, ó pobre amante.
Como, porque é belo pedirá uma noite sem presente?
Porque dá, te exigirá antes do seu amante!
Exige um preço mais baixo, enquanto estendes tuas redes,
para que não fujam; capturados, atormenta-os com as tuas leis.
E um amor dissimulado não prejudica; deixa que ele acredite ser amado,
mas toma cuidado para que este amor não saia de graça para ti.
Nega umas noites com freqüência, ora finge uma dor de cabeça,
ora Ísis será aquela que oferecerá as causas.
Recebe-o logo depois, para que não produza o hábito de sofrer
e para que um amor tantas vezes repelido não diminua.
Que tua porta seja surda ao que pede e aberta ao que traz;
que o amante recebido ouça as palavras do excluído;
e, como ferida, algumas vezes torna-te furiosa em primeiro lugar com o
ferido;
a tua culpa cessa com a culpa compensada.
Mas nunca apresentes um longo tempo em fúria;
muitas vezes uma ira demorada causa rancores.
Que teus olhos ainda não aprendam a chorar forçado
e ora este ora aquele façam suas faces umedecidas;
e, se enganas alguém, não temas perjurá-lo;
Vênus torna os deuses surdos a este jogo.
Que estejam presentes um escravo e uma escrava hábil para as duas partes,
que ensinem convenientemente o que possa comprar para ti,
e para si peçam pouco; se pedirem pouco de muitos,
logo haverá um grande monte de cereais.
Que a tua irmã, mãe e ama também arranquem de teu amante,
rapidamente uma presa torna-se visada por muitas mãos.
Quando te faltarem motivos para pedir presentes,
farei uma libação para declarar teu aniversário.
Cida para que ele ame inseguro pelo rival desconhecido;
o amor não dura muito, se suprimes os combates.
Que ele veja por todo leito os vestígios de (outro) homem
e o pescoço feito lívido pelas lascivas conhecidas;
especialmente que veja os presentes que o outro tenha enviado;
se ninguém der, deve-se pedir na Via Sacra.
Quando tiveres tirado muitas coisas, sem que, contudo, (o outro) dê todos
(os presentes),
pede tu mesma aquilo que ele empreste, mas que nunca restituirás.
Que a tua língua ajude e esconda teu pensamento; acaricia-o e prejudica-o;
os ímpios venenos se escondem sob o doce mel.
Se cumprires estas coisas, conhecidas a mim pela longa experiência,
e se o vento e a brisa não levarem minhas palavras,
viva, muitas vezes dirás bem de mim, outras vezes pedirás que,
morta, meus ossos descansem tranqüilamente.”
A voz continuava, quando a minha sombra me traiu,
e com custo minhas mãos se contiveram
para que não destroçassem a sua alva e pouco espessa cabeleira,
os lacrimosos olhos pelo vinho e as faces rugosas.
Que os deuses não te dêem nenhum Lar, mas uma velhice desgraçada
e longos invernos e uma sede perpétua.
(...)
Era intenso o calor, passava do meio dia;
Estava eu em minha cama repousando.
(...) Eis que vem corina numa túnica ligeira,
Os cabelos lhe ocultando o alvo pescoço;
Assim entrava na alcova a formosa Semiramis,
Dizem, e Laís que amaram tantos homens.
Tirei-lhe a túnica, mas sem empenho de vencer:
Venceu-a, sem mágoa, a sua traição.
Ficou em pé, sem roupa, ali diante de meus olhos.
Em seu corpo não havia um só defeito.
Que ombros e que braços me foi dado ver, tocar!
Os belos seios, que doce comprimi-los!
Que ventre mais polido logo abaixo do peito!
Que primor de ancas, que juvenil a coxa!
Por que pormenorizar? Nada vi não louvável,
E lhe estreitei a nudez contra o meu corpo.
O resto, quem não sabe? Exaustos, repousamos.
Que outros meios-dias me sejam tão prósperos.
(...)
sob meu pescoço ela pôs os braços ebúrneos,
mais alvos do que a neve da Sitônia;
colocou, entre beijos de línguas cobiçando-se,
suas coxas lascivas sob a minha,
e me chamou seu dono e me disse coisas ternas,
com as banais palavras de costume:
qual se tocado por cicuta glacial, meu membro
frouxo abandonou seu intento.
Tronco inerte ali fiquei, fantasma, peso inútil,
Sem saber se era corpo ou se era sombra.
Na velhice, que futuro me espera, se a própria
Juventude malogra em seus deveres?
(...)
que mudas alegrias eu não forjei na mente!
E que posturas não imaginei!
Porem, qual morto antecipado, o meu membro jazia
Mais murcho, vergonha, que uma rosa de ontem;
E eis que ora se enrija inoportuno, cheio de ânimo,
E exige trabalho e reclama combate.
Por que de pejo não te aquietas, pior parte minha?
Já fui vitima antes das tuas promessas.
Teu amo enganas; pego inerme por tua causa,
Sofri dano imenso e desonra maior.
Não desdenhou, todavia, a minha companheira
Solicitá-lo com mão provocadora.
Mas vendo que de maneira alguma ele se erguia
E incênscio de si continuava tombado,
“Por que zombas de mim?” disse. “Quem, insensato,
contra meu querer, te mandou ao meu leito?
Ou trespassando imagem tia, a bruxa de Enéria
Te encantou, ou vens cansado de outro amor”.
E sem mais saltou do leito, envolta em sua túnica.
Convinha que se afastasse de pés nus;
Para que suas servas não a vissem intacta,
A desonra escondeu molhando-se com água.
(...)
Ser de Homero rival lembrou-me um dia;
Cantar guerras, heróis; e em nobres voôs
Á grandeza do assunto alçar meus versos.
Já na destra o clarim, na fronte os louros,
Na mente a glória, me ensaiva aos cantos.
Riu-se Cupido...e rindo-se furtou-me
O laurel, o instrumento;
De rosas e de murtas
Croou-me num momento;
Pôs-me nas mãos a lira
Tão cara à mãe de Amor.
Quem te deu esse jus em poesia,
Vão menino, cruel invasor?
Tem as musas em nós sob'rania
Não são vates vassalos de Amor.
Que seria se Vênus tomasse
Suas armas à Deusa guerreira?
Se Minerva co' o sesto se ornasse?
Loura Ceres nos bosques reinasse?
E esquecida da caça ligeira
Fosse às messes Diana imperar?
Deve intonso pacífico Apolo
Adornar-se co' a lança da morte?
Saberia na mão do Mavorte
branda lira seus sons espalhar?
Vasto como o universo é teu domínio,
Sobejo o teu poder. Para que aspiras,
Menino ambicioso, a mais impérios?
Por tudo o mais ser teu, há-de ser tua
A Castália? o Parnaso? e Cirra? e Tempe?
No grêmio ao Deus da lira, a própria lira
não ficará segura?
Apenas tenho escrito uma só linha
em majestoso estilo
Ei-lo acode a afrouxar-me e a destrui-lo!
"Amor, Amor!" - lhe disse - "É vã tua fadiga.
Não tenho que pintar nos curtos versos teus.
Não tenho Adônis lindo, ou linda rapariga,
A quem tribute o canto, e que remonte aos céus."
Ouvindo o meu queixume, abre em silêncio a aljava;
Dentre mil setas de ouro a mais aguda extrai;
No arco a imbebe; e enquanto ao peito ma apontava
"Se assunto queres" - diz - "na frecha assunto vai"
Céus! Que mudança
N'alma liberta!
Que mão tão certa!
Que íntimo golpe!
Que acerba dor!
Deliro em turbidos,
Novos afectos!
Queimo-me, abraso-me!
Adeus projetos;
No peito indômito
Já reina amor.
Pois que é fado, e o quis um nume,
o nume que excede aos mais,
iremos soltar na lira
Verso brando ao som dos ais.
Adeus glória, adeus combates!
Adeus vós e o metro vosso!
Eu, queria; amor opôs-se...
Amor se opôe, já não posso.
Nas tranças Idália murta,
Inglório plectro na mão,
Vem pois, Musa, e em verso humilde
Cantemos a escravidão!

PÚBLIO OVÍDIO NASO – Nascido numa família rica de Sulmona, a leste de Roma, Público Ovídio Naso (43 a.C. – 18 d.C) fez seus estudos na capital do império, onde viveu durante o reinado de Augusto. Foi amigo de Horácio e Propércio, pois preferiu dedicar-se à poesia em vez de praticar o direito que estudara e que seu pai queria vê-lo seguir. Seus versos lhe deram grande popularidade na chamada boa sociedade romana. Teve a carreira interrompida, todavia, no ano 8 d.C., quando foi banido de Roma pelo imperador e teve de exilar-se em Tômi, na costa do mar Negro (Romênia), onde morreu. A causa do exílio parece ter sido, ao menos em parte, a obscenidade de sua famosa Arte de Amar.

FONTE:
COSTA, Elisabete da Silva. A magia nos amores de Ovídio: propaganda política ou paródia divertida? Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.
LOPES, Eliana da Cunha. Amor et dolor: Ovídio, o poeta elegíaco na Urbs. Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos. Faculdade Gama e Souza./Universidade Severino Sombra, s/d.
NATIVIDADE, Everton da Silva. Um Amor de Ovidio: uma leitura estilistico-semiotica. Alfa: Revista de Lingüística, 01-JUL-04
PAES, José Paulo. Poesia erótica. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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