segunda-feira, maio 19, 2008

ASCENSO FERREIRA



Imagem: José Cláudio, in: Poemas de Ascenso Ferreira. Recife: Nordestal, 1981.

O EROTISMO MODERNISTA DE ASCENSO FERREIRA

O GÊNIO DA RAÇA

Eu vi o gênio da raça!
(Aposto como vocês estão pensando que eu vou falar de Rui Barbosa).
Qual!
O gênio da raça que eu vi
Foi aquela mulatinha chocolate
Fazendo o passo do siricongado
Na terça feira de carnaval!

CINEMA

- Mas D. Nina, aquilo que é o tal de cinema?
O homem saiu atrás da moça,
Pega aqui, pega acolá,
Pega aqui, pega acolá,
Até que pegou-la
Pegou-la e sustentou-la
Danou-lhe beijo
Danou-lhe beijo
Danou-lhe beijo...
Depois entraram pra dentro dum quarto!
Fez-se aquela escuridão
E só se via o lençol bulindo...
- Me diga uma coisa, D. Nina:
isso presta pra moça ver?!....

PREDESTINAÇÃO

- Entra pra dentro, Chiquinha!
Entra pra dentro, Chiquinha!
No caminho que você vai
Você acaba prostituta!”
E ela:
- Deus te ouça, minha mãe...
Deus te ouça...

ALUCINAÇÃO

As chamas...
As brasas...
Depois, apenas o bafo morno das cinzas....
O pó....
Amor! Amor!
Ajuda-me ao menos a arder com violência!

MISTICISMO Nº 2

O espírito meu entrou no meu couro,
Entrou no meu couro algum mangangá!
E eu quero mulheres... mulheres... mulheres....
Curibocas!
Mamelucas!
Cafuzas...
Caboclas viçosas de bocas pitangas!
Mulatas dengosas caju e caju!
Mulheres brancas como açúcar de primeira!
Mulheres macias como a penungem do ingá!
Mas sempre mulheres... mulheres... mulheres...
(Ô lelê)
todas formosas,
todas belas,
todas novas...
(Ô lelê)
deitadas molengas em folhas macias!
Na sombra rajada das bananeiras lentas
Iluminadas por um sol-das-almas!
Só pra eu,
Devagarinho,
Fazer com elas:
“Pinicadinho
da barra do 25,
mingorra, mingorra,
tire esta mão
que já está forra...”

MARTELO

Teu corpo é branquinho como a polpa do ingá maduro!
Teu seio é macio como a polpa do ingá maduro!
- E há doçura de grã-fina no teu beijo, que é todo ingá....
- E há doçura de grã-fina no teu beijo, que é todo ingá....
por isso mesmo, minha Maria,
eu,como a abelha do aripuá
pra quem doçura é sempre pouca,
só quero o favo de tua boca...
há veludos de imbaúba nessas redes de teus olhos,
que convidam, preguiçosas, a gente para o descanso,
um descanço à beira-rio como a ingazeira nos dá...
- um descanso à beira-rio como a ingazeira nos dá...
por isso mesmo, minha Maria,
de noite e dia nessa corrida triste de ganso
para descanso e gozos meus,
só quero a rede dos olhos teus!
Só quero a rede macia dos teus olhos!
Só quero a doçura grã-fina do teu beijo!
Só quero a macieza do teu corpo da cor do ingá...
E na rede eu me deito, cochilo e descanso,
Tenho um sono manso que me faz sonhar....
Sonho que és ingá de doçura louca,
Que na minha bica vem se desmanchar....
- Que na minha bica vem se desmanchar....

A FORÇA DA LUA

Não te achegues assim, pra mim... Ó Maria!
Ai! Não te achegues não...
A lua cheia tem muita força, Maria!
- E o luar sempre foi a nossa perdição...
O vento que assopra,
Assopra com força...
Há força nas águas,
- repara a maré!
E há força também ocultas na gente,
Talvez que as das águas maiores até....
Não te achegue assim, para mim... Ó Maria!
Ai! Não te achegues não....
Há forças nas águas, há forças nos ventos
E forças que em nós ocultas estão...
A lua cheia tem força muita, Maria!
- E o luar sempre foi a nossa perdição!

MULATA SARARÁ

O cajueiro te deu a flor para cabelo;
Deu-te o maracujá o agateado dos olhos
- teus olhos cujo olhar faz a gente dodói!
No Brasil, quem te nega está fazendo é fita,
Pois tu és, na verdade, uma coisa bonita:
- madeira que o cupim não rói!
- madeira que o cupim não rói!
Paris – que dá modas,
Costumes e gostos,
Pinturas pros rostos,
Carvão e carmim...
Paris – dente de ouro!
- Boca de tubarão!
- Goela de sucuri!
Que engole odaliscas
Rajás e sultanas
As gueixas, musmês,
Os beis os paxás...
- E engoliu até a negra Josefina Baker!
Paris, contigo, topou foi osso!
Foi rocha esquisita da nada destrói!
Nosso Senhor abençoe teus avós de Lisboa...
- Madeira que o cupim não rói!
- Madeira que o cupim não rói!

REISADO

“Guvernadô destes Brasi, daí-me licença pra divirti...”
- Ô de casa! – Ô de fora!
_ Manjerona quem sta ao?
- Ou é um cravo, ou é uma rosa, ou a fulo do bogari...
Governadora de meu pensar,
Dá-me licença para contar:
Naquele dia, minha formosa,
Quando teu vulto, de longe, eu vi,
Disse minh´alma, por ti ansiosa:
Ou é um cravo, ou é uma rosa, ou é a flor do bogari...
Hoje, te amando essa alma ansiosa...
Ai! Se ao senti-la perto de ti,
Também disseste, minha formosa:
- Ou é um cravo, ou é uma rosa, ou é a flor do bogari....

CATIMBÓ

Mestre Carlos, rei dos mestres,
Aprendeu sem se ensinar....
- ele reina no fogo!
- ele reina na água!
- ele reina no ar!
Por isto, em minha amada acenderá a paixão que consome!
Umedecerá sempre, em sua lembrança, o meu nome!
Levar-lhe-á os perfumes do incenso que lhe vivo a queimar.
E ela há de me amar... há de me amar... há de me amar...
- como a coruja ama a treva e o bacurau ama o luar!
À luz do sete-estrelo nós havemos de casar!
E há de ser bem perto. Há de ser tão certo
Como que este mundo tem de se acabar.
Foi a jurema de sua beleza que embriagou os meus sentidos!
Eu vivo tão triste como os ventos perdidos
Que passam gritando na noite enorme...
Porque quero gozar o viço no seu lábio estua!
Quero sentir sua caricia branda como um raio da lua!
Quero acordar a volúpia que no seu seio dorme...
E hei de tê-la, hei de vencê-la, ainda contra o seu querer...
- Porque de Mestre Carlos é grande o poder!
Pelas três-marias... pelos três reis magos... pelo sete-estrelo
Eu firmo esta intenção
Bem no fundo do coração
E o signo-de-salomão ponho como selo.
E ela há de me amar... há de me amar.... há de amar...
- Como a coruja ama a treva e o bacurau o luar!
Porque Mestre Carlos, rei dos mestres,
Reina no fogo...reina na água... reina no ar...
- Ele aprendeu sem se ensinar...

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