terça-feira, janeiro 29, 2008



Imagem do artista plástico argentino Carlos Gorriarena.

A SÍNDICA DOS SEIOS ONÍRICOS

Luiz Alberto Machado

Geruza enviuvara, ficando triste aquele rostinho lindo de Fernanda Abreu. Fora trágica para quem soubera sempre amante, duvidando, se fora, possivelmente amada no mesmo tanto.
Dava para imaginar a sua dor naqueles seios com cheiro de mar no decote pronunciado que sempre exibia. Parece uma dor sem fim, seis anos de ininterrupta e enclausurada viuvez. Não dava nem as caras pro mundo, só recebendo, quando muito, familiares com advogado para resolver-lhe questões do falecido. Dava, também, para notar seu encabulamento ao tratar de apólices de seguro, pensão e bens inventariados a partilhar. Por certo, não era do seu feitio essas coisas de justiça, porque sempre fora das lides domésticas, quando muito acompanhava o marido nas compras, reduzindo-se, apenas, a cuidar da casa, estudar, embelezar-se e fortuitamente participar de alguma comemoração com casais amigos.
Não tivera filhos nos dois anos de vigência do matrimônio. Resultara viúva e só. Uma misantropia flagrante, o que, misteriosamente, ainda mais realçava na sua beleza. E a cada dia mais exuberante ficava no apetite dos meus olhos. Ah, se me fosse dado o privilégio de provar de sua reclusa. Não, ela não dava espaço. Leseira minha de sonhar acordado. Raramente via-lhe sair para algum lugar. Até que certa noite, uma reunião ruidosa e cheia de querelantes, destituiu-se o síndico e abriram um pleito eleitoral para a escolha de um outro representante para tomar conta do nosso prédio.
Geruza nem se dera conta do que sucedia, chegara ali para saber apenas das providências tomadas quanto a algo do seu apartamento, quando de sopetão seu nome entrou na roda. Vi-lhe ruborizada, intrigando-se com o assédio para que se colocasse seu nome em votação.
Aí, eu que sempre me fizera alheio a tudo em reunião de condomínio, pois que até então só ouvira baixaria, pendenga mesquinha, interesses escusos, agora, encontrava um motivo para melhor participar daquela chateação, avalizando o nome dela naquela votação. Eu fora o primeiro a votar e percebi-lhe os olhos aboticados em minha direção e, depois disso, não desgrudou mais.
A unanimidade fez-lhe síndica sem mais delongas. Tudo ventava a seu favor: dedicada aos afazeres domésticos, tempo integral no ambiente, disponibilidade para se ocupar com alguma coisa além do cotidiano.
Satisfeito com tudo, eu exultava com a solidariedade de todos enquanto ela não conseguia ver-me menos imantada, atraída com intriga no olhar.
A noite para mim seguia em polvorosa sem que ela ao menos insinuasse um mínimo sorriso, como que ainda não entendendo tudo aquilo acontecer à sua revelia. Era cada vez mais lindo aquele jeito desprotegido de ver o mundo se transformando na sua frente sem poder sequer sugerir nada. Estava realmente surpresa com aquilo.
Foi aí que me aproximei em seu auxílio, tentando-lhe explicar e, ao mesmo tempo, oferecendo meu irrestrito apoio. Ela, assustada, nada entendia.
A votação correra tranqüila e fim de papo. Dei-lhe meus parabéns afetuosos, seguido de todos os cumprimentos dispensados pelos presentes. Eu que falei por ela, aceitando a empreitada e já marcando a retomada dos trabalhos normais para o dia seguinte. Nisso ela nem balbuciara nada e me olhava com um ar ainda mais de esquisitice, interrogativa com o meu procedimento.
Um a um dos presentes se despedindo, restando, ao final, apenas nós dois. Ela muda fisgada em mim, eu dissimulado acenando para a despedida de todos que se evadiam para seu regaço.
Chamei o porteiro, entreguei os livros de ocorrências e anunciei que daquele momento em diante, Geruza era a síndica, esperando que ele passasse a colaborar de forma com maior afinco a partir de então, ao que ele positivamente acenou com a cabeça.
Retornei ao seu encontro e desejei-lhe uma boa noite e até amanhã. Percebi que ela seguiu rumo ao elevador ainda tocada pelos acontecimentos.
Ao cabo de dias não pude disfarçar a constatação do condomínio mais limpo, mais florido, mais cheio de vida, parece que ela resolvera dar o seu toque em tudo ali.
Certa ocasião eu avexava para jantar fora e ao deixar algumas recomendações ao porteiro, vi Gerusa descer magnificamente linda, num vestido bege, decotado, discretamente maqueada, fantasticamente linda, de me abestalhar e não conseguir desgrudar-lhe o olhar, ao que, notando, dirigiu-me um cumprimento de boa noite afetado de mexer com as minhas entranhas e deixar-me abobadado. Meu deus, meus olhos vira a manifestação perfeita do milagre vital. Esqueci da fome, perdi a hora de jantar, acompanhei-lhe abrir a porta, sentar-se comodamente, acionar o motor e sutilmente sair em seu veículo. Acompanhei o seu trajeto até perdê-la de vista.
- Dona Geruza botou para abafar, num foi? -, era o porteiro roubando a minha imaginação.
- Pelo amor de deus! -, respondi com a maior cara de babaca.
Ora, se ela já se encontrava no centro da minha cobiça, agora conseguia enlouquecer-me de vez. E enquanto pensava nela, não conseguia sair dali para lugar algum. Dei-me a vaguear pelo canteiro, pelo estacionamento, abestalhado e consumido pela sua beleza. Não sei por quanto tempo fiquei assim, sei que só me dei conta quando ela estacionava de volta o seu veículo. Disfarcei e, meio atabalhoado, rumei direção para o elevador. E ao aguardá-lo eis que ela se aproxima com seu perfume – ah, senti-lhe a fragrância viçosa de sua vagina acendendo meus sentidos - e, ao que parece, ela notando a minha embriaguês com todo o seu espetáculo.
- Tudo bem? -, disse-me ela altiva e desleixadamente.
- Tudo bem.
Nossa, não conseguia dizer mais nada, estava embasbacado e boquiaberto com o seu reluzente decote abissal.
A porta do elevador abriu-se, despejou fora dois vizinhos e esperei que ela entrasse para que a seguisse.
Assim fez, adentrou-se, recostando-se no canto do elevador, desprotegida, pronta para a minha fúria de ataque.
Apertei o indicador do sexto, o andar dela, e esqueci de acionar o meu andar.
Nem bem quando o elevador deu partida, deu-se a escuridão. Ficamos presos, assustados, acompanhando o zoadeiro que se ouvia vindo do lado de fora.
- Que foi isso? -, perguntou-me.
- Sei lá. Não consigo entender nada.
Senti-lhe um nervosismo e uma leve aproximação nervosa. Não sabia se me esforçava por sair dali ou se mantinha uma posição de ali ficar em sua companhia, esperando melhor momento.
- Vamos aguardar –, disse-lhe tentando acalmá-la já que não se continha em si.
Nada dizia, sentia-lhe a respiração, o nervosismo, o perfume, tudo embaralhando minha cabeça que nessa hora não conseguia conciliar as idéias. Senti sua mão no meu braço, tímida e trêmula. Foi aí que minha incoerência buscou-lhe a presença, alcançando a sua cintura perfeita.
- O fornecimento de energia normaliza já, viu? -, repeti-lhe mais uma vez, tentando tranqüilizá-la.
Enquanto eu tentava oferecer-lhe segurança tateava suas formas curvilíneas, o seu corpo palpitando, os seus seios arfantes, sua alma trêmula, eu frente a frente, a mesma altura, o mesmo tope, aproximando-me mansamente, nenhuma resistência. Busquei-lhe o pescoço com uma das mãos e ao encontrá-lo, trouxe seu rosto na direção do meu e beijei-lhe os lábios carnudos, acordando uma fera furiosa que me agarrou com sofreguidão. Fui intensamente invadindo sua viuvez, remexendo-lhe as intimidades, até que alcancei sua saia, puxando-a para cima até chegar-lhe na calcinha e notar-lhe fuviando úmida e desejosa. Removi-lhe para o lado alcançando-lhe o corte íntimo e enfiando-lhe o dedo devagar até sentir-lhe abrindo-se mais, escancarando para a melhor ser penetrada, levantando uma de suas pernas até ao lado da minha cintura, matando minha sede com o arriar do zíper, até alcançar-lhe as mais profundas águas saborosas.
Acompanhei o seu gemido louco, investi irresponsavelmente por sua intimidade gostosa, enfiei-lhe toda minha loucura apressadamente até alcançarmos o ápice do orgasmo. Aaaaaaaaah!
Depois de um longo tempo desligado do mundo e de todos, notamos o silêncio que circundava, ouvindo-se apenas a nossa respiração. Foi aí que tentamos aos poucos nos recompormos satisfeitos, quando o fornecimento de energia fora restaurado, dando para ver-lhe o modo saciado de carente secular com que me fitava.
Ouvimos o porteiro instando por nós, ficamos escondidos. E em pouco tempo, tudo normalizado, e nos despedíamos daquela louca e adorável situação.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

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