domingo, fevereiro 27, 2011
DECAMERON
SEGUNDA JORNADA DO DECAMERÃO DE BOCCACCIO: FILOMENA
SEGUNDA NOVELA – [...] Numa das dependências interiores do referido castelo, vivia certa mulher viúva, tão linda de corpo como as que mais lindas o fossem. [...] Muitas e muitas vezes a viúva comprazeu-se fitando-o, sem dar demonstração disso; e apreciou-o em seu intimo. Aliás, como o marques devera ter vindo e não viera, para ficar a noite em sua companhia, a mulher estava com o apetite concupiscente bem desperto. Por isso, em sua mente, já se unira ao belo Reinaldo. Finda a ceia, a mesa foi retirada. A viúva consultou a criada para saber se, já que o marquês a enganara, não seria de bom aviso que ela tirasse o maior e mais agradável partido possível da companhia a sorte lhe oferecia daquele modo. A criada, conhecendo o intimo desejo de sua patroa, aconselhou-a que o satisfizesse quanto fosse do seu agrado. Desse modo a viúva, regressando à sala onde ficava a lareira, e onde deixara Rinaldo a sós, pôs-se a olhar para ele amorosamente e disse: - Então, Rinaldo? [...] Fique tranqüilo: alegre-se! Você está como em sua casa. Aliás, desejo dizer-lhe que, vendo-o assim com essas roupas que pertencem ao meu falecido marido, você até passou a parecer-me ele em pessoa. Por esta razão esta noite, senti, por mais de mil vezes, vontade de abraçá-lo e de beijá-lo; e está claro que, não fosse por recear desagradá-lo, certamente já o teria feito. Ouvindo isto, e vendo os clarões sensuais que relampejavam nos olhos daquela mulher, Rinaldo, que, como homem, nada tinha de tolo, correu ao encontro dela, os braços abertos, exclamando: - Mulher esplendorosa! Acho que poderei dizer para sempre que é por sua causa que ainda estou vivo! Contemplo a situação da qual você me tirou, e comparo-a com o estado em que você me deixou. Seria grande a minha vilania, se eu não fizesse todos os esforços para satisfazê-la em tudo o que for de seu agrado. Assim sendo, dê largas ao seu desejo, satisfazendo-o. abrace-me, beije-me, visto que eu a abraçarei e a beijarei com enorme e sincero entusiasmo. Ditas estas, não precisaram eles dizer mais palavras. A mulher, ardendo toda em amoroso enleio, de imediato atirou-se aos braços dele. Deu-lhe mil beijos, ansiosa, apertando-o contra o peito; foi por ele beijada mil vezes, veementemente. Deixando a sala da lareira, ambos encaminharam-se para o quarto de dormir; não demoraram a meter-se na cama; e as vezes sem conta satisfizeram os repsectivos desejos, antes que raiasse o novo dia.
TERCEIRA NOVELA – [...] Alexandre indagou, com doçura, quem eram os monges que seguiam à frente, com comitiva tão grande; e perguntou, ainda, para onde seguiam. A isto, um dos cavaleiros retrucou: - Esse que vai cavalgando à frente é um rapazinho, parente nosso, que foi eleito recentemente abade de uma das mais abastadas abadias da Inglaterra. Como, entretanto, ele tem menos idade do que se requer, por lei, para tão elevada dignidade, vamos nós com ele a Roma, para impetrar, junto ao santo padre, que, dada a sua pouca idade, revogue, em relação a ele, a exigência desse requisito e, mais tarde, na ocasião conveniente, o confirme na mesma dignidade. A respeito disto, entretanto, é necessário que não se dê com a língua nos dente. Como o novo abade cavalgasse ora adiante ora atrás do lote de seus criados - assim como, todos os dias, vemos os grão-senhores fazerem, ao viajar -, aconteceu-lhe ver, pertinho de si, Alexandre. Alexandre era muito jovem; bem feito de corpo, rosto muito formoso, finíssima educação; e de maneiras tão agradáveis que, nisso, não havia quem o superasse. Logo à primeira vista, Alexandre caiu na simpatia do jovem abade que, vendo-o, ficou tão contente como se visse a pessoa mais esperada do mundo. Chamou-o mais para perto de si; pôs-se a conversar com ele, como que encantado [...] Entretanto, o abade não dormia. Ao contrario. Estava refletindo mesmo, até com determinação em seus novos desejos. Escutou, portanto, o que o hospedeiro e Alexandre disseram. Do mesmo modo, ficou sabendo onde Alexandre se acomodou, para o pernoite. Então, pôs-se a meditar: “Deus deu tempo aos meus desejos; caso eu não o agarre, acho que uma oportunidade como esta não voltará a surgir em minha vida”. Resolveu, de uma vez por todas, agarrá-lo. Parecendo-lhe que tudo estava em silêncio, na estalagem, chamou o nome de Alexandre em voz baixa; rogou-lhe que se deitasse ao seu lado. Depois de recusar-se várias vezes, Alexandre lá se foi deitar, já despido. O abade acariciou-lhe o peito, e pôs-se a bulir em seu corpo, carinhosamente, de modo não diverso daquele que as moças apaixonadas fazem com os seus amados. Alexandre ficou profundamente maravilhado com o fato. E duvidou que fosse o abade, assaltado por amor impulsivo e desonesto, quem se arriscava a acariciar-lhe o corpo daquela forma. Ou por presunção, ou por algum ato cometido por Alexandre, o abade logo concebeu clara idéia desta dúvida. E sorriu. Despiu, rapidamente uma camisola que estava vestindo; segurou a mão de Alexandre, colocou-a sobre o próprio peito, e disse: - Alexandre, apague esse tolo pensamento; procure por aqui.. assim... veja o que eu escondo aqui. Colocando a mão sobre o peito do abade, Alexandre achou dois seios, pequenos e redondos, duros e delicados, como feitos de marfim. De pronto, assim que os encontrou e os apalpou, notou que a pessoa que ali estava era uma mulher. Não aguardando novo convite, procurou logo abraçá-la, apertá-la ao peito e beijá-la. Nesse momento ela disse: - Antes que você se aproxime mais intimamente de mim, ouça o que quero dizer-lhe. Como pode constatar, sou mulher, não homem. Sou donzela; saí virgem de minha casa. [...] a verdade é que vi você outro dia; desde que o vi, fiquei inflamada de amor, de tal maneira que creio que nenhuma mulher nunca amou tanto um homem. Por isso resolvi que você seria o meu marido, em lugar de outra qualquer pessoa. Se não me quer por esposa, saia logo daqui, e retorne ao seu lugar.
SEXTA NOVELA – [...] Spina, enviuvou de um senhor Nicoló da Grignano e voltou à casa paterna. Era muito jovem, bonita, atraente, e não contava mais do que dezesseis anos; um dia, por acaso, pousou os olhos em Giannoto. Aconteceu o mesmo com ele em relação a ela. E os dois ficaram fervorosamente apaixonados. Este amor não durou muito tempo sem conseqüências; mas decorreram muitos meses, antes que alguma pessoa o percebesse. Confiantes em excesso, os dois começaram a comportar-se da maneira menos discreta que se aconselha em casos semelhantes. Passeando um dia por um lindo bosque, muito denso de arvores, a jovem e Giannoto afastaram-se dos demais companheiros, indo bem à frente. Quando lhes pareceu, em certo trecho, que se tinham afastado o suficiente, rumaram ambos para um local agradável coberto de ervas e flores, resguardados por altas frondes. Puseram-se, ali, a entreter-se reciprocamente com os prazeres amorosos. Por muito tempo assim ficaram juntos; foi um tempo realmente longo, ainda que os prazeres da volúpia lhes sugerisse que fora breve. Em vista disso, os dois acabaram sendo apanhados de surpresa...
SÉTIMA NOVELA – [...] Dia a dia, Pericão exacerbava os seus próprios desejos. E tanto mais crescia seu furor amoroso quando mais perto estava e mais negada ele via a pessoa amada. Percebendo que as atenções dispensadas não lhe rendiam nada, pôs em ação astucia e artimanhas, reservando para o fim o uso da força. Uma vê ou outra percebeu que a mulher apreciava o vinho, tanto quanto uma pessoa que não está acostumada a beber, devido à proibição de sua religião. Com auxilio do vinho, portanto, que age na qualidade de mensageiro de Vênus, Pericão julgou que poderia levá-la a ceder. Dando demonstração de não se importar com aquilo de que ela se mostrava esquiva, mandou que, uma noite, fossem feitas solenes festas, com uma riquíssima ceia, à qual a mulher compareceu. Durante a ceia, em que foram servidas muitas coisas deliciosas, Pericão ordenou ao servidor que deveria atendê-la que lhe desse a beber diversos vinhos, para que, ao bebê-los, ela os misturasse. O criado cumpriu, à risca, esta ordem. E a mulher, que não podia ter cuidado quanto a isto, sentiu-se dominada pela agradabilidade do paladar de cada vinho; e ingeriu mais vinho do que seria aconselhável para a manutenção de sua honestidade. A mulher logo se pôs alegre; olvidou toda a adversidade que sofrera; e, vendo que algumas mulheres estavam bailando à moda de Maiorca, achou que deveria dançar à moda de Alexandria. Ao contemplar este espetáculo, Pericão teve a impressão de que muito próximo estava aquilo que ele desejava; insistiu para que se prolongasse a ceia, sempre rica de iguarias e de vinhos; desse modo, a ceia entrou pela madrugada. Finalmente, quando já se tinham retirado os convivas, Pericão entrou em sua própria alcova, apenas acompanhado pela tal mulher. Mais alegre por causa do vinho, do que temperada pela honestidade, quase como se Pericão não fosse um homem, mas somente uma de suas criadas, a mulher despiu-se diante dele, sem nenhum constrangimento; e meteu-se na cama. Pericão não perdeu tempo; seguiu-a de perto. Apagou o lume e penetrou com habilidade por baixo das cobertas, do outro lado da cama. Cingiu-a com os braços, sem que ela opusesse nenhuma resistência; e começou a gozar os prazeres do amor na companhia dela. Após ter experimentados esses prazeres – nunca tendo sabido, antes, de que modo os homens agridem -, arrependeu-se ela de não ter atendido aos rogos anteriores de Pericão. Sem aguardar que ele a convidasse para outras noites, tão gostosas como aquela, ela mesma muitas vezes se convidou, porém não com palavras, pois não sabia falar idioma que o homem compreendesse, e sim com fatos.
OITAVA NOVELA – [...] É certo que, em razão da distancia em que se acha o meu marido em relação a mim, não posso opor resistência aos apelos da carne, nem á força do amor. De tão grande potencia se animam esses estímulos e esta força, que inúmeras vezes já venceram, e prosseguem vencer, todos os dias, homens muito fortes – e isto sem falarmos de débeis mulheres. [...] Deixei-me induzir aos prazeres do amor, e consenti em apaixonar-me. [...] porque foi praticado às escondidas, parece que não se pode afirmar que seja coisa desonesta. Entretanto, foi-me o amor generoso; não apenas não me desviou do acerto, na escolha do meu amante, porém ainda muito me ajudou ao mostrar-me que o senhor seria digno de ser amado por uma mulher como eu. Se não estou iludida pelo espírito, julgo que o senhor é o mais belo, o mais agradável, o mais elegante e o mais esclarecido cavaleiro que pode ser encontrado no reino da França. [...] Sendo assim, rogo-lhe por todo amor que sinto pelo senhor, que não me negue o seu amor; compreenda a minha mocidade, esta mocidade que consome pelo senhor, como o gelo se derrete junto ao fogo.
NONA NOVELA – [...] – Por certo, se, de cada vez que a mulher se entrega a uma aventura, lhe surgisse um corno na testa, para testemunhar o que ela fizera, acredito que poucas seriam as mulheres que se entregariam às aventuras. Entretanto, não apenas não surge o corno, como mesmo não se vê, nas mulheres que são prudentes, nem indicio, nem pegada. A vergonha e a ruína da honra não ficam concluídas senão nos atos ostensivos. Assim sendo, sempre que podem, prevaricam ocultamente; ou deixar de prevaricar, por preguiça. E esteja certo do que lhe afirmo: que apenas é virtuosa a mulher que jamais foi solicitada, ou que, se pediu algo a alguém, por esse alguém não foi atendida. Ainda que eu saiba que assim é, por razões naturais e justificadas, disso não falaria com tanta clareza, como o faço agora, se eu não tivesse comprovado diversas vezes, e com muitas mulheres. Declaro-lhe que, se eu estivesse junto a essa sua castíssima esposa, creio que em pouco tempo a levaria àquilo a que já levei muitas outras.
GIOVANI BOCCACCIO - O Decamerão, numa tradução de Torrieri Guimarães, foi escrito em 1350 pelo escritor italiano que nasceu em Paris, Giovani Boccaccio (1313-1375), uma obra em prosa que relata em dez histórias curtas, contadas por sete moças e três rapazes que se refugiam no campo para escapar da peste negra, os conflitos entre os valores cristãos e o espírito libertino da época, questões ligada à transição para o Renascimento. O “Decameron” é composto por cem histórias que abrangem as mais peculiares paixões e comportamentos humanos, e mantêm em viva presença, os clamores da carne, a infidelidade e as trapaças sexuais A obra tem a propriedade de revelar em cada conto que o proibido e o pecaminoso vigiados pelas autoridades no final da Idade Média, concretizavam-se em práticas habituais no dia-a-dia das pessoas comuns, do clero e da nobreza. Na obra, conforme dito anteriormente, há dez personagens principais que, para fugir da peste, refugiaram-se em um castelo, onde nada havia a fazer. Teriam que passar ali muito tempo, até que o ambiente externo voltasse à salubridade. Para ocupar-se, cada um dos personagens contou uma história em cada um dos dez dias. Essa obra, apesar der ter sido escrita há mais de seiscentos anos, ainda pode ser lida como enorme prazer. Por isso, tornou-se um clássico da prosa ocidental e um dos maiores livros eróticos de todos os tempos. Veja mais Decameron aqui.
FONTE:
BOCCACCIO, Giovani. Decamerão. São Paulo: Abril, 1979.
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