terça-feira, setembro 08, 2009
ANA TERRA
Imagem: Woman, do pintor surrealista belga René François Ghislain Magritte (1898-1967)
HOMENS
Por Ana Terra
Vivências e memórias de uma poetisa e letrista da MPB.
Homens, melhor tê-los. E aprender com eles o que nos ensinaram por meio da poesia, da literatura, das artes, quando dominavam sozinhos esses territórios. O amor romântico é uma invenção do masculino. Fruto da inteligência emocional para tornar menos árida a luta pela sobrevivência e a reprodução da espécie. Afinal, o que fazer no intervalo entre um ato sexual e outro? Como me ensinou um amigo: quem ama é o homem, a mulher confia.
Mas há os desencontros, desacertos e uma grande discussão entre natureza e cultura, como se os humanos não fossem filhos dos dois. E agora a nova lei que equipara abuso a estupro, para o bem e para o mal.
Homens não são objeto de desejo das feministas radicais de gênero, que acreditam ser o órgão sexual do homem, assim como o machado, uma arma utilizada desde a pré-história para atemorizar as mulheres e mantê-las sob seu jugo. E que toda sedução masculina é um estupro, só que alguns homens se dão ao trabalho de comprar uma garrafa de vinho.
A teoria oficial do estupro, nos Estados Unidos, originou-se no livro de Susan Brownmiller, Against our Will (Contra nossa vontade), lançado em 1975, que apresenta o estupro como crime de violência e não de sexo.
A doutrina do “bom selvagem”, aliada à percepção da década de 1960, quando o sexo deixa de ser visto como sujo e passa a ser encarado como natural, e como o que é natural é bom, o estupro sendo um mal não teria vinculação com o sexo. Como se o sexo não fosse também cultural e um tsunami fosse bom porque é um fenômeno da natureza.
A idéia das feministas passa a ser uma avaliação consensual e, em 1993, a Organização das Nações Unidas (ONU) declara: “O estupro é um abuso de poder e controle no qual o estuprador tenciona humilhar, envergonhar, embaraçar, degradar e aterrorizar a vítima.”
Essa idéia foi posta em dúvida quando, em 2000, é publicado A natural of rape, do biólogo Randy Thornhill e do antropólogo Craig Palmer. A lógica apresentada na pesquisa é que havendo possibilidade de procriação, mesmo que pequena, poderia ser uma “tática oportunista”, uma ação selecionada, e não excluída, do processo de seleção natural. “Ou poderia ser subproduto de duas outras características da mente masculina: o desejo por sexo e a capacidade de praticar violência oportunista para atingir um objetivo.”
Esses cientistas não apresentam nenhuma justificativa moral para o estupro, pelo contrário, apresentam cenários onde haveria maiores possibilidades de ocorrência e fazem sugestões para evitá-lo. Também sugerem que a aversão das mulheres ao sexo forçado teria origem na sua natureza biológica: a fêmea é que escolhe o macho para copular, selecionando os genes que desejam para dar continuidade à espécie. Essas idéias incendiaram o campo feminista e a crítica em geral: os autores haviam desrespeitado um tabu.
A questão principal que se apresenta é que se o estupro e sua proibição estão presentes em todas as sociedades humanas, o que pode ser feito para diminuir sua ocorrência?
Legislação com graves punições é uma óbvia medida, afinal o papel da cultura é afastar o homem de sua natureza animal e instituir regras civilizatórias. Quando os laços da civilização se afrouxam, no caso de guerras e ausência do Estado, o estupro é uma prática muito mais frequente do que gostaríamos de supor. Assim como a tortura, amplamente divulgada, infringida por soldados americanos, homens e mulheres, a prisioneiros iraquianos, por exemplo.
A relação sexual evidentemente deve ser consensual mas, excluindo os casos praticados por psicopatas e os de guerra (considerando-os uma patologia coletiva), até onde pode ser razoável atribuir toda responsabilidade ao homem?
Quando depois de aceitar o jogo de sedução, uma mulher concorda em ir para o quarto de um homem? Temos o famoso caso do lutador Mike Tyson que rendeu uma boa indenização à vítima e cadeia para o acusado. Neste, como em tantos outros, não existiria um consentimento implícito da mulher? Não podermos desconsiderar o puritanismo da sociedade americana e a consequente hipocrisia, além da indústria de indenizações, que é uma instituição naquele país.
No oposto ao puritanismo, o que dizer dos bailes funk do Rio de Janeiro onde se praticam, pública e anonimamente múltiplos “estupros consentidos”? E o que pensar do argumento que justifica a violência como expressão legítima dessas comunidades?
E por que não se discute seriamente a precoce erotização das crianças pelos programas infantis da televisão. E por que confundi-los com a prática em voga de dar “selinho” e dizer “eu te amo”, como se essas expressões fossem destituídas do erotismo que, na verdade, contêm? O ato sexual é para adultos. Às crianças deve-se permitir a infância. E todas as fantasias que lhes cabe em suas mentes infantis. E não as nossas. Será que para elas um tapinha não dói?
6/9/2009. Fonte: ViaPolítica/A autora
Referências:
Pinter, Steven. Tábula rasa - A negação contemporânea da natureza humana. São Paulo, Companhia das Letras, 2004. Cap. 18: Gênero
ANA TERRA – Ana Terra é compositora profissional desde 1975 e tem cerca de 100 gravações de obras musicais com letras de sua autoria, como Elis Regina - “Essa Mulher”, “Pé sem Cabeça”, “Sai Dessa”. Milton Nascimento e Nana Caymmi - “Meu Menino”. Maria Bethânia -“Da Cor Brasileira. Emílio Santiago - “Ensaios de amor” e “É só uma canção”. Barão Vermelho e Ângela Rô Rô - “Amor meu grande amor”. Elton Medeiros - “Virando Pó”, “Direito à vida”, “Mãe e Filha”. Sueli Costa e Lucinha Lins - “Insana”, “Minha Arte”. Dori Caymmi, Leila Pinheiro e Renata Arruda - “Essa Mulher”. Lisa Ono - “Os dois”, “Eu sou carioca”, “Diz a Ela”, “Essência”. Mart’nália - “Sai Dessa”. Publicou os livros Letras e Canções (poesia) e Estrela (prosa). Recebeu prêmio do Ministério da Cultura pelo roteiro original do longa-metragem Os Campos de São Jorge. Produz e dirige audiovisuais e tem peças de teatro inéditas. Ao lado da criação artística, atua como ativista política desde os anos 1970, participando do movimento independente das artes, da implantação do canal comunitário de Niterói, dos fóruns de música. Em 2004 foi tema do documentário Ana Terra, do cineasta Luiz Rosemberg Filho. Veja a entrevista de Ana Terra pro Guia de Poesia.
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