quarta-feira, janeiro 26, 2011
AÍLA SAMPAIO
Imagem: Pornographias 01 de Rodrigo Melo
O VÔO PROIBIDO DE AILA SAMPAIO
VÔO PROIBIDO
Beijo tua boca como quem sobe ao céu
sob o silêncio das estrelas.
Abraçar-te é vê-las antes do anoitecer,
a qualquer hora rasgar o véu da noite
ou trazer o dia com sua desatinada claridade.
Corpo adentro, tu respondes ao meu chamado,
viajas comigo num grito incontido,
como quem rasga distâncias e, qual um menino,
chegas ao paraíso prometido...
Pouco importa o voo proibido
os vagões fora dos trilhos:
Todos os trens, a partir de agora, nos levarão ao mesmo destino.
CENA
Leves os teus dedos pela minha pele,
entre os pelos, entre os planos desfeitos e refeitos,
arrancando-me gemidos, certezas, dádivas, dúvidas.
Traço linha a linha o horizonte do teu corpo
como em tela pintando barcos,
como em argila esculpindo música;
em tuas calmas águas, em teus sedentos beijos
abrindo subterrâneos acordes
sob o branco dos lençóis.
É assim minha astúcia com as tintas
com que te pinto, com o barro com que te visto:
acordo cores em teu regaço,
desenho fontes onde escorre mágoas.
Depois de feita a arte-final,
por medo ou desilusão, talvez,
esqueço a cena
e te contemplo apenas de longe
como uma tela que não pintei...
VALSA
Nada mais sei quando começas a dedilhar minha pele
como se tocasses uma valsa.
Rodopios incontinentis atravessam o quarto
enquanto furto as cores das tuas palavras
para desenhar o meu castelo.
Nada mais quero senão passear descalça
sobre os lençóis macios que guardam nossos segredos;
ver teu corpo refletido no espelho
a sangue frio me atravessando
como se atravessasse a brava correnteza de um rio.
APASCENTANDO SONHOS
Como ser o teu espaço
e tua possibilidade?
O obstinado rio
a despejar no teu mar?
Quem me dera ser teu porto
no instante em que a vida arda,
não ser apenas o outro,
não ser aquele que tarda.
Pudesse te encontraria
no leito branco de nuvens,
mistérios apalparia
num sonho doce e suave.
Então, tu me indagarias:
– Trouxeste a chave?
– Sim, querida, e a lua...
– Entra, sou toda tua
CANTO DAS SEREIAS
Era quase noite em teus olhos
quando os vi pela primeira vez
e pintei o mundo de verde-esperança.
Era ali, dentro das tuas negras pupilas,
que a vida se redesenhava como um mar
de calmas ondulações.
Tão simples o amor, pensei,
sem imaginar que, pela rimeira vez,
ouvia o canto das sereias
e me perdia em turvas águas
de diabólicas paixões.
VERSOS EM TEU CORPO
Em espirais, minhas mãos
criam metáforas no teu corpo
como se escrevessem versos sem palavras.
Na sintaxe do silêncio, somos texto e subtexto,
desejo substantivo de atravessar o espelho
e chegar ao céu,
onde se podem pronunciar todos os verbos.
O SANGUE DA LIBERDADE
Quero sobretudo essa malícia
de trazer no corpo a marca das fêmeas,
seduzir reduzindo meus excessos
em assimetrias expressos
à flor da pele.
Quando for preciso,
enlouquecerei;
quebrarei as algemas
cedendo aos poucos
à tentação dos loucos
que injetam na veia
o sangue da liberdade que crêem.
Quero deter os alarmes
a tempo de aprender minha história
sem carícias a cicatrizar.
Quero além de tudo esse veneno
que denuncia minha maldade
castidade pra toda sedução,
pra solidão que eu decreto
dia a dia
adiando desejos.
BEIJO
Ele pronuncia meu nome
como quem come uvas vermelhas
e deixa escorrer o sumo pela boca;
assim, como quem toma vinho
de olhos fechados.
Na polpa macia dos seus lábios
o vinho escorre,
mancha o linho da sua roupa.
Eu, com a respiração arquejante,
as pernas trôpegas,
fraquejo, me aproximo
e bebo sua saliva num longo beijo.
MONÓLOGO A DOIS
Meu desejo também era ficar assim para sempre amarfanhada nesses lençóis, enterrada nos teus braços, apertando-me ao teu corpo até atravessá-lo. Mas há um litígio lá fora e um mundo me acusando de louca porque nunca me permiti sê-la e perdi o direito.
Não é o mundo que te acusa, tu não consegues derrubar os muros que tu mesma construíste à tua volta. Fica, eu te peço. Faz por ti a doação desse direito; o preço não é mais alto do que o que pagas na reclusão. Fica até atravessar-me, até colheres a flor que eu já não tinha e me permiti brotá-la só para que pudesses tê-la.
Ainda ontem pela manhã nem tua ausência existia porque não te sabia ser sequer um rosto na multidão mutilada que me perpassa a toda hora. E agora, do nada és meu mundo inteiro, meu ar, meu Deus num altar que nem preparei.
Quando me interpelaste nervosa, vi em teus olhos qualquer coisa antiga que sempre havia sido minha e soube desde lá que chegara o momento de entregar as armas e levantar as mãos rendido como um guerrilheiro abatido pelo desperdício da luta, não pelo inimigo. Fica que é o que queres. Que é o que eu quero: despir-te a roupa que te enluva a pele e tocar-te como um escorpião que para sempre deixará a marca. Fica que te visto depois com os gritos que tens guardados à minha espera; com o meu corpo te visto da lembrança de seres a mulher que soterraste no medo da vida. Abrirei cada fenda cicatrizada e devolverei à luz tua alegria abortada em tantos gozos fingidos. Fica por ti. Concede a ti a doação desse direito.
Não duvide que aprendi no silêncio meu melhor tom de voz. É que eu estava a caminho de ti há tanto tempo que aprendi todas as lições e as guardo de cor. Vim sem saber que estavas a minha espera. Vim de esperar-te tanto sem saber que estavas em ti todo esse tempo como um desejo. Nessa trilha que percorri, foram muitos os enganos e desacreditei que pudesses passar de uma verdade só minha imaginada e vivida na vontade, apenas na vontade avassaladora de encontrar uma justificativa para ter nascido. Agora compreendi tudo. Ficar seria perder todas as incertezas e abortar o que pode para sempre ficar nas minhas entranhas. Recuso-me a ser tua para não correr o risco de um dia perder-te.
AILA MARIA LEITE SAMPAIO – A escritora, poeta e professora cearense Aila Sampaio é graduada em Letras pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, com Especialização em Língua Portuguesa.É mestre Letras pela UFC com a dissertação Tradição e Modernidade nos contos fantásticos de Lygia Fagundes Telles, em 1996. É funcionária da Secretaria de Educação do Ceará e integra o quadro de docentes da Universidade de Fortaleza - UNIFOR, ensinando Metodologia da redação no Curso de Direito. É assessora pedagógica do Centro de Ciências Humanas, editora da Revista de Humanidades e leciona nos Cursos de Publicidade e Propaganda e Audiovisual e Novas Mídias as disciplinas: Língua Portuguesa I e II e Estética e Linguagem. É autora dos livros de poesias Desesperadamente Nua (1987) e Amálgama (2001) e do ensaio: Os fantásticos mistérios de Lygia (2009). É membro da Academia Cearense de Língua Portuguesa, cadeira 21. Edita o blog Literaila e tem textos publicados no Jornal de Poesia, no LiteCearense e no LiteBrasil.
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