quarta-feira, fevereiro 04, 2009
RUBEM FONSECA
Imagem: The gardeners' daughter II, de Angelica
VASTAS EMOÇÕES E PENSAMENTOS IMPERFEITOS DE RUBEM FONSECA
“E os prazeres do sexo?”, perguntou Liliana enquanto tirava os rolinhos do cabelo.
“Não estou interessado.”
“É mesmo”, disse Liliana, tirando a roupa. Seus seios tinham bicos vermelhos. “O que você anda fazendo? Exercicios de ascese? Masturbação? Ou arranjou uma dessas atrizinhas que para trabalhar em qualquer filme dão para qualquer diretor? Anda, deita aqui comigo.”
Ela apagou a luz. Podia vê-la no escuro – Liliana sempre apagava a luz para fazer amor – ali na cama ao meu lado, brilhando como um ferro em brasa.
“Quero que você acenda a luz, se não vou-me embora. Quero ver a tua boceta vermelha.”
“Você está louco!”
Saí da cama. “Estou falando sério.”
Liliana acendeu a luz.
“Você não está bom da cabeça, nunca falou assim comigo”, disse ela, não sei porque faço o que você está mandando.”
Abri as pernas de Liliana e olhei. Sua boceta escarlate estava úmida e rutilante como se estivesse sangrando, não propriamente sangue, mas esmalte de unhas.
“Agora vira de bruços.”
Delicadamente abri os dois rijos hemisférios glúteos da bunda musculosa de Liliana – suas nádegas eram separadas, como as das bailarinas – e contemplei o pequeno orifício cor-de-rosa, que pareceu se contrair ante o meu olhar.
“Isto está me dando uma sensação esquisita”, ela disse, “acho que é tesão.”
Depois Liliana em perguntou se eu não queria com ela ao baila do Scala. Não.
(...)
(…) Fornicação – os poetas estão sempre certos: “That´s all the facts when you come to brass tacks”.
(…)
Ao acariciar o corpo nu de Liliana, sua pele lisa e macia, ao sentir seus ossos, sua carne, seu calor, sua vida, fui dominado por uma grande alegria, uma estranha felicidade, misturada com uma espécie de vertigem que por momentos supus, erradamente, ser um pródromo da pseudo-síndrone de Meniére. Eu não odiava mais Liliana, talvez nunca a tivesse odiado. Podia me entregar àquela fruição simples e primária, aceitar o contentamento puro que ela me trazia.
(...)
Ela me diz que o amor não existe, que só existe o orgasmo, cuja vitalidade é uma coisa parecia com cagar, por exemplo, algo que te alivia e depois você se limpa, com uma toalha, ou com água, em seguida vai tratar da vida – comprar uma roupa,ou uma casa, ou uma jóia, ou fazer ginástica.
(...)
Ficamos, depois, deitados na cama nus, lado a lado.
(...)
O que fazia uma pessoa ser atraída por outra? O que me fizera segurar a mão de Mitiko, naquele instante? Casanova, segundo Schnitzler, queria muito mais dar do que receber prazer. Eu também era assim. Esse dar prazer era uma forma de se exibir? Uma espécie da bazófia?...
(...)
Agora é tarde, fazemos nosso destino e eu não soube fazer o meu. Mas agora sei o que quero. (...) Por quê? Quem pode explicar por que o desejo por uma mulher linda pode acabar?...
(...)
“Qual o seu sonho de consumo?”, ela perguntou.
“Acreditar em Deus”, eu disse.
“Isso mudaria alguma coisa?”
“Talvez o meu estilo. Minha linguagem é assindética, cheia de elipses de conjunção. A fé tornaria meu estilo hiperbólico, polissindético”. Etc. Na época pensei que estava brincando.
“Se os filmes brasileiros”, escreveu a jornalista, “fossem tão interessantes quanto as entrevistas dos seus diretores, o cinema brasileiro seria o melhor do mundo”.
Meu sonho de consumo, eu sabia agora, era a liberdade. O ser humano se caracteriza, na verdade, por uma grande estupidez. Ele só descobre que um bem é fundamental quando deixa de possuí-lo.
RUBEM FONSECA – O premiadíssimo escritor, roteirista e advogado mineiro, Rubem Fonseca, foi comissário de polícia no Rio de Janeiro, chegando a se aperfeiçoar na área e a estudar Administração de Empresas na New York University. Depois trabalhou na Light quando, por fim, dedicou-se exclusivamente à literatura sendo agraciado com inúmeros prêmios literários por seus escritos literários e roteiros cinematográficos. Entre as suas obras está “Vastas emoções e pensamentos imperfeitos”, um romance que foi publicado em 1988 que traz a sensação de se estar no cinema assistindo a uma colagem de questões intelectuais, angústias humanas, romance policial, cenas da guerra fria, loucuras do sonho. Talvez seja o melhor da obra de Rubem Fonseca porque ler Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos significa não conseguir parar um minuto sequer. É enxergar a vida e as situações cotidianas do homem dentro de uma ótica cinematográfica, na qual é necessário que haja uma lógica concisa e eficiente. Os personagens devem ser sempre muito bem definidos, suas ações delimitadas, seus sentimentos delineados para que o público capte "o quê o diretor quis dizer". E é aí que se encontra a confusão. A história de um cineasta-narrador que se envolve com uma história de pedras preciosas e assassinato, ao mesmo tempo em que começa a ler os contos do judeu soviético Isaak Bábel. A tentativa de transformar tais contos em roteiro para sua nova produção, junto aos seus confusos sentimentos e amores acaba em uma mistura da lógica racional da linguagem cinematográfica, à completa falta de lógica da linguagem inconsciente dos sonhos e a tentativa de adaptar a linguagem literária à uma realidade. E então, qual a mensagem que deve ser passada? Há algo que deve ser passado? Como organizar as vastas emoções sem deixar com que se percam em pensamentos imperfeitos? Rubem Fonseca não fornece respostas, mas incita questões - questões essas que valem muito a pena.
FONTE:
FONSECA, Rubem. Vastas emoções e pensamentos imperfeitos. São Paulo: Planeta De Agostini, 2003.
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