quarta-feira, fevereiro 18, 2009

MARIA DA GRAÇA ALMEIDA



Imagem: S/T, de Helder Mendes

VERSOS FEMININOS DE MARIA DA GRAÇA ALMEIDA

MULHERES

Fui nascida mais mulher
do que tantas e quaisquer,
sobre mim há muitas delas,
são capazes, são sinceras.
Muitas há em minha mente,
outras vivem-me na alma,
várias saem-me pelas palmas,
outras ficam quando calmas.
Sou mulheres bem maduras,
sou mulheres tão meninas,
estas são tão femininas
e aquelas mais seguras.
Pelas partes de meu corpo
sempre surge uma mulher,
não as vê só quem é tolo
ou verá quem eu quiser.
Várias usam-me as entranhas,
outras moram-me nas manhas,
há algumas que se assanham,
poucas há que cedo apanham.
Só há uma que insiste
em ser frágil, em ser triste
e entregue a sua sorte,
temerosa aguarda a morte.
Há mulheres temporais,
há mulheres sazonais,
sempre tenho uma mulher
inserida nos anais!

À ESPERA

Tua sensibilidade crítica
é que me traz e instiga,
a investigar teus escombros!

Quero no teu interior,
com euforia ou dor,
revelar os teus sonhos.

Larga-te às minhas investidas,
são curiosidades antigas,
que me ligam a ti.

Deixa que eu te penetre
e jamais te apresses
em despir-te de mim.

Vou conferir-te a fundo,
saber-te profundo,
num chegar e partir.

E quando fores embora
ficarei aqui fora,
esperando por ti!

Sei que sempre tu voltas
e bates à porta,
que eu vou abrir.

Eu te recebo sorrindo,
achando tão lindo,
voltares pra mim.

PUDORES

Chama -me à cama,
não dou ouvidos!
Esse seu jeito
julgo atrevido!
Rejeito a cama,
abro as janelas,
pudores contidos
fogem por elas.
Fecho as janelas,
volto pra cama,
tiro o pijama.
louco me ama!

LINGUA LIQUIDA

A líqüida língua vaza!
Infiltra-se entre os dentes,
rompe os limites dos lábios
gotejando boca á fora
ou, entornando livremente...
Não há fronteira que a reprima,
não há limite que a contenha.
O dono da língua líqüida,
possui ouvidos alados
que saem pelas orelhas,
lúcidos ou atordoados,
diretos ou de qualquer maneira
e colhendo informações
voam pra todo lado!
Temo essa língua por ela,
pelos ouvidos que a acompanham
e por todos ouvidos alheios
nos quais chega, sem medo,
a relevar os segredos.
Se uma dessas, liqüefeitas,
vem molhar-me os ouvidos,
afasto-a rapidamente,
secando depressa o líquido,
temendo que tal proximidade
impune contamine-me a língua,
e que por momentos, instantes
ou pelo restante da vida
liqüefaça-a abundante, infame
larga, solta e incontida...

BEIJO

Você se faz tão suave,
pedintes seus lábios são.
Pousando feito uma nave,
trazem gosto e emoção!
Chegam doces, molhadinhos,
disfarçados de sorriso,
beijam bem devagarzinho,
põem meu ser tão indeciso.
Vêm só para me sentir,
ou querem se distrair?
Quem os dirige sou eu,
ou, a mãozinha de Deus?

CHEGANDO E PARTINDO

Ante minha face hirta,
pálida, envelhecida
há um túmulo
uma cruz fosca
torta e velha,
uma jarra
trincada,
uma flor amarela; única
flor; amarela e bela;
bela e única; única e
frágil; frágil e muda,
muda e bela,
a flor amarela,
em jarra trincada,
sob cruz torta, velha,
sobre um tosco túmulo,
atrás de minha nuca suada...

A DAMA

Cheiro de lama,
cheiro de trama,
cheiro de dama,
nua na cama.

Vão-se as dores,
fortes venenos,
vêm os olores,
leves, amenos.

Estira-se a dama,
em brasas e o leito
aviva-lhe a chama,
desnuda-lhe o peito

Vão-se os olores,
leves, amenos,
ficam as dores,
fortes venenos.

Encolhe-se a dama
dolente e o leito
apaga-lhe a chama,
oculta-lhe o peito.

UMBIGO

O umbigo
afoito,
na premissa
do lazer,
oferece-se
ao coito,
muito antes
do prazer.

PÚBIS

Dessujeito,
posta-se
sob os peitos
desabados.
Desinibido,
mostra-se.

ENLEVO

este olhar tão bandido
é o olhar atrevido,
que trago comigo!

nestas mãos satisfeitas,
da paixão mais perfeita,
eu me encosto e abrigo...

este peito discreto,
suado e incerto,
incansável, eu ouso!

nestas pernas alongadas,
umedecidas de gozo,
faço meu, seu repouso!

CARÊNCIA

Secura de mim.
Vazo de um vaso trincado,
sem a querença, sem a crença
e a certeza do amanhã.
Vida que vadia resfolega
sob o relógio que se arrasta
entre a solidão matinal
e a noite fria... ermitã.

MARIA MORTALHA

Cedo, deitou-se Maria, pronta
pra logo morrer,
vestindo a alva mortalha, sem medo de
adormecer.
Os olhos tanto mais fundos, coroados
por olheiras,
cerravam-se moribundos, nessa hora
derradeira.
Implorando-lhe ajuda, veio um
moleque qualquer:
- Vó, apanha uma agulha, me tira o
bicho do pé!
Servil, levanta a Maria, desvestindo
a alva mortalha
e já mais morta que viva,
do pé, o bicho estraçalha.
Volta, esvaída, Maria para o
bom leito de morte,
quando lhe chega a nora , chorando a
fome e a sorte.
Maria, do quarto, dormente, sai e
aquece o fogão,
serve-lhe o leite fervente e duros
nacos de pão.
Com a fome, então, saciada e o corpo
fortalecido,
parte a jovem senhora com olhos
agradecidos.
Maria, assim, novamente, põe-se no
leito de palha,
julgando que, certamente, não mais
tiraria a mortalha.
E eis que lhe chega a vizinha com um
pote tosco à mão.
Queria do sal, só um pouco, que lhe
salgasse o feijão.
Maria deixa o leito... que a Morte
espere um instante...
pra atender a boa vizinha, ergueu
-se, mesmo ofegante.
Bem cheio o pote de sal, a dona vai
-se embora.
Maria, já fria, descora e aguarda,
da Morte, a hora.
A Morte que vinha chegando, notou-a
em pele ardente,
porém, percebeu que a lida, tornara
Maria valente.
Vendo a mulher à espera, recolhida
em seu leito,
ordena que se levante e atenda-a
com medo no peito.
Maria coloca, surpresa, os olhos
esbugalhados
sobre as vestes que a Morte trazia
em trapos rotos, rasgados.
A Morte impõe, soberana: - Sobreviva
só mais um dia,
ainda que condenada, cosa-me a capa,
Maria!
E apontando-lhe as entranhas,
ressecadas e vazias,
exige-lhe que, ao fogo, torne, o leite,
que frio jazia.
Maria salta do leito, arranca a tal
da mortalha
e sem mesura ou respeito, rebelde,
à Morte, detalha:
- Em face aos desmandos alheios,
viverei mais um ano e meio.

A MENINA DA CAPELA

- Que menina é aquela?
- É a menina da capela.
A capela é sua casa.
O altar é a cama dela.

Quando o dia amanhece,
Toca o sino em doce prece.
Aos fiéis essa menina
Sua casa oferece.

- Que menina é aquela?
- É a menina da capela.
A capela é da menina.
A capela é a casa dela.

A menina da capela
quer a casa bem florida,
pra rezar na casa dela
uma prece colorida.

MARIA DA GRAÇA ALMEIDA - a escritora, pedagoga e professora paulista Maria da Graça Almeida, é formada em Educação Artística. Ela participa de diversas antologias e possui crônicas, cartas e poemas publicados em diversos sites da rede. Ela é autora de vários livros publicados e de outros tantos inéditos. Seus trabalhos estão publicados no Jornal de Poesia, Usina de Letras e Recanto das Letras, entre outras páginas da rede.

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