Imagem: A invasão de
Susane ao trono da rainha Margrethe, aposento real do Palácio de Chritiansborg,
na Dinamarca. Ela foi acusada de prostituta invasora. Fonte: Seog Hør
OS DESEJOS DAS PAIXÕES CARTESIANAS
[...]
Já se sabe que a última e mais próxima causa das paixões da alma não é outra
senão a agitação com que os espíritos movem a pequena glândula situada no meio
do cérebro. Mas isso não basta para podermos distingui-las umas das outras; é
mister procurar as fontes e examinar suas primeiras causas: ora, ainda que
possam algumas vezes ser causadas pela ação da alma, que se determina a
conceber estes ou aqueles objetos, e também pelo exclusivo temperamento do
corpo ou pelas impressões que se encontram fortuitamente no cérebro, como
acontece quando nos sentimos tristes ou alegres sem que possamos dizer o
motivo, parece, no entanto, pelo que foi dito, que todas elas podem ser
excitadas pelos objetos que afetam os sentidos e que tais objetos são suas
causas mais comuns e principais; daí se segue que, para encontrar todas, basta
considerar todos os efeitos desses objetos.
[...]
noto, de particular, que este agita o coração mais violentamente do que
quaisquer das outras paixões, e fornece ao cérebro mais espíritos, os quais,
passando daí aos músculos, tornam todos os sentidos mais agudos e todas as
partes do corpo mais móveis.
[...]
Enfim, a paixão do desejo tem isto de próprio, que a vontade de obter algum bem
ou de fugir de algum mal envia prontamente os espíritos do cérebro a todas as
partes do corpo capazes de servir às ações requeridas para tal efeito, e
particularmente ao coração e às partes que lhe fornecem mais sangue, a fim de
que, recebendo-o em maior abundancia do que de costume, envie maior quantidade
de espíritos ao cérebro, tanto para entreter e fortalecer nele a ideia dessa
vontade, como para passar daí a todos os órgãos dos sentidos e todos os
músculos que podem ser empregados para obter o que se almeja.
[...]
deduzo as razões de tudo isso, que há tal ligação entre nossa alma e nosso
corpo que, uma vez unida uma ação corporal a um pensamento, nenhum dos dois
pode apresentar-se-nos em seguida sem que o outro também não se apresente [...]
Pois me parece que as primeiras paixões que a nossa alma teve, quando começou a
estar unida a nosso corpo, se devem a que algumas vezes o sangue, ou outro suco
que entrava no coração, era um alimento mais conveniente que o comum para nele
manter o calor, que é o princípio da vida; o que levava a alma a juntar
voluntariamente a si esse alimento, isto é, a amá-lo, e ao mesmo tempo os
espíritos corriam do cérebro para os músculos, que podiam pressionar ou agitar
as partes onde viera ao coração, para fazer que estas lhe enviassem mais [...]
eis por que desde então esse mesmo movimento dos espíritos sempre acompanhou a
paixão do amor [...] E quando acontece, além do mais, estar o corpo assim
disposto, isso torna os desejos da alma mais fortes e mais ardentes.
[...]
E a paixão que causa mais comumente este efeito é o amor, unido ao desejo de
uma coisa cuja aquisição não se imagina possível no mento presente; pois o amor
ocupa de tal forma a alma em considerar o objeto amado, que emprega todos os
espíritos que se encontram no cérebro em representar-lhe a imagem e detém todos
os movimentos da glândula que não sirvam para tal efeito. [...] que tal ligação
entre a nossa alma e o nosso corpo que, quando se uniu uma vez qualquer ação
corporal com algum pensamento, nenhum dos dois torna a apresentar-se a nós sem
que o outro também esteja presente [...].
RENÉ
DESCARTES (1596-1650) – O filosofo e matemático francês René Descartes, cursou
Direito e foi oficial voluntário do exército de Mauricio de Nassau, na Holanda.
Há registros de que a sua primeira namorada era uma garota vesga: "Quando era menino, eu me apaixonei por uma garota
um pouco estrábica, e por muito tempo depois disso, sempre que via alguém com
estrabismo, eu me apaixonava por ela... Assim, se amamos alguém sem saber por
que, podemos assumir que essa pessoa, de algum modo é semelhante àquela pessoa
que amamos anteriormente, mesmo que não saibamos exatamente o motivo". Por isso é comum sabê-lo fetichista e atraído por mulheres
estrábicas. Viveu com sua amante holandesa, Helen, que era sua empregada
doméstica e com quem teve uma filha. A sua obra “Tratado das paixões” teve
inicio com o seu relacionamento com a princesa Elizabeth da Bohemia, sua
correspondente. Uma cópia manuscrita dessa obra foi para a jovem rainha culta
de 23 anos, Christina da Suécia que, em retribuição, enviou-lhe uma foto sua.
Ela era estrábica e mantinha correspondência com ele. Ela seduziu o filósofo a
enfrentar o frio nórdico, tornando-se seu instrutor em Matemática e Filosofia.
Meses depois veio a falecer. Seu pensamento professava que o corpo humano é a
mais perfeita das máquinas e que trabalha por reflexos condicionados. Também
defendia a importância da higiene corporal e inaugurou a Filosofia moderna com
o seu axioma: "Penso, logo
existo".
REFERÊNCIAS
CARDOSO, Adelino. Psicologia e moral em
Descartes. Plülosophica, 25, Lisboa,
2005.
CARNEIRO, Silvio Rios. Desejo em Descartes:
vontade, erro e generosidade. Cogito, v. 5, Salvador, 2003.
DESCARTES, René. As paixões da alma. São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
SALES, Benes Alencar. A moral cartesiana em As
paixões da alma. Recife: UFPE/UFPB/UFRN, 2010.
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