domingo, dezembro 15, 2013

OS DESEJOS DAS PAIXÕES CARTESIANAS

Imagem: A invasão de Susane ao trono da rainha Margrethe, aposento real do Palácio de Chritiansborg, na Dinamarca. Ela foi acusada de prostituta invasora. Fonte: Seog Hør




OS DESEJOS DAS PAIXÕES CARTESIANAS


[...] Já se sabe que a última e mais próxima causa das paixões da alma não é outra senão a agitação com que os espíritos movem a pequena glândula situada no meio do cérebro. Mas isso não basta para podermos distingui-las umas das outras; é mister procurar as fontes e examinar suas primeiras causas: ora, ainda que possam algumas vezes ser causadas pela ação da alma, que se determina a conceber estes ou aqueles objetos, e também pelo exclusivo temperamento do corpo ou pelas impressões que se encontram fortuitamente no cérebro, como acontece quando nos sentimos tristes ou alegres sem que possamos dizer o motivo, parece, no entanto, pelo que foi dito, que todas elas podem ser excitadas pelos objetos que afetam os sentidos e que tais objetos são suas causas mais comuns e principais; daí se segue que, para encontrar todas, basta considerar todos os efeitos desses objetos.

[...] noto, de particular, que este agita o coração mais violentamente do que quaisquer das outras paixões, e fornece ao cérebro mais espíritos, os quais, passando daí aos músculos, tornam todos os sentidos mais agudos e todas as partes do corpo mais móveis.

[...] Enfim, a paixão do desejo tem isto de próprio, que a vontade de obter algum bem ou de fugir de algum mal envia prontamente os espíritos do cérebro a todas as partes do corpo capazes de servir às ações requeridas para tal efeito, e particularmente ao coração e às partes que lhe fornecem mais sangue, a fim de que, recebendo-o em maior abundancia do que de costume, envie maior quantidade de espíritos ao cérebro, tanto para entreter e fortalecer nele a ideia dessa vontade, como para passar daí a todos os órgãos dos sentidos e todos os músculos que podem ser empregados para obter o que se almeja.

[...] deduzo as razões de tudo isso, que há tal ligação entre nossa alma e nosso corpo que, uma vez unida uma ação corporal a um pensamento, nenhum dos dois pode apresentar-se-nos em seguida sem que o outro também não se apresente [...] Pois me parece que as primeiras paixões que a nossa alma teve, quando começou a estar unida a nosso corpo, se devem a que algumas vezes o sangue, ou outro suco que entrava no coração, era um alimento mais conveniente que o comum para nele manter o calor, que é o princípio da vida; o que levava a alma a juntar voluntariamente a si esse alimento, isto é, a amá-lo, e ao mesmo tempo os espíritos corriam do cérebro para os músculos, que podiam pressionar ou agitar as partes onde viera ao coração, para fazer que estas lhe enviassem mais [...] eis por que desde então esse mesmo movimento dos espíritos sempre acompanhou a paixão do amor [...] E quando acontece, além do mais, estar o corpo assim disposto, isso torna os desejos da alma mais fortes e mais ardentes.

[...] E a paixão que causa mais comumente este efeito é o amor, unido ao desejo de uma coisa cuja aquisição não se imagina possível no mento presente; pois o amor ocupa de tal forma a alma em considerar o objeto amado, que emprega todos os espíritos que se encontram no cérebro em representar-lhe a imagem e detém todos os movimentos da glândula que não sirvam para tal efeito. [...] que tal ligação entre a nossa alma e o nosso corpo que, quando se uniu uma vez qualquer ação corporal com algum pensamento, nenhum dos dois torna a apresentar-se a nós sem que o outro também esteja presente [...].

RENÉ DESCARTES (1596-1650) – O filosofo e matemático francês René Descartes, cursou Direito e foi oficial voluntário do exército de Mauricio de Nassau, na Holanda. Há registros de que a sua primeira namorada era uma garota vesga: "Quando era menino, eu me apaixonei por uma garota um pouco estrábica, e por muito tempo depois disso, sempre que via alguém com estrabismo, eu me apaixonava por ela... Assim, se amamos alguém sem saber por que, podemos assumir que essa pessoa, de algum modo é semelhante àquela pessoa que amamos anteriormente, mesmo que não saibamos exatamente o motivo". Por isso é comum sabê-lo fetichista e atraído por mulheres estrábicas. Viveu com sua amante holandesa, Helen, que era sua empregada doméstica e com quem teve uma filha. A sua obra “Tratado das paixões” teve inicio com o seu relacionamento com a princesa Elizabeth da Bohemia, sua correspondente. Uma cópia manuscrita dessa obra foi para a jovem rainha culta de 23 anos, Christina da Suécia que, em retribuição, enviou-lhe uma foto sua. Ela era estrábica e mantinha correspondência com ele. Ela seduziu o filósofo a enfrentar o frio nórdico, tornando-se seu instrutor em Matemática e Filosofia. Meses depois veio a falecer. Seu pensamento professava que o corpo humano é a mais perfeita das máquinas e que trabalha por reflexos condicionados. Também defendia a importância da higiene corporal e inaugurou a Filosofia moderna com o seu axioma: "Penso, logo existo".

REFERÊNCIAS
CARDOSO, Adelino. Psicologia e moral em Descartes. Plülosophica, 25, Lisboa, 2005.
CARNEIRO, Silvio Rios. Desejo em Descartes: vontade, erro e generosidade. Cogito, v. 5, Salvador, 2003.
DESCARTES, René. As paixões da alma. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
SALES, Benes Alencar. A moral cartesiana em As paixões da alma. Recife: UFPE/UFPB/UFRN, 2010.

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